O calcanhar de Aquiles

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Nuno Figueiredo

04 de ago de 2020

· 7 min de leitura

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Aquiles
mitologia grega
a grande conversa
Alex Castro
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Logo no início do filme Tróia temos um diálogo entre um menino, que seguindo ordens de Agamenon, busca Aquiles para enfrentar um guerreiro da Tessália.

– “O Tessálico que vai lutar com o senhor, ele é o maior homem que já vi. Eu não lutaria com ele”, disse o menino.

– “Por isso que o seu nome nunca será lembrado” (Aquiles).

Assim começa um bom filme que narra a guerra de Tróia. Essa história é contada por Homero, na Ilíada, que foi o principal livro que lemos na continuação da Grande Conversa, que trata agora sobre os clássicos gregos.

Já falei a respeito da Grande Conversa neste post.

O filme está muito longe do livro em vários aspectos, mas ainda assim é um bom divertimento.

A guerra de Tróia dura dez anos. A Ilíada versa sobre o último ano apenas. Se você não quer spoiler interrompa a sua leitura por aqui.

Segundo Edward Gibbon:

“Uma apreciação crítica satisfatória dos clássicos exige um exaustivo conhecimento da época em que eles viveram.”

Como eu não possuo esse nível de conhecimento vou compartilhar, os que foram para mim, os melhores momentos dos clássicos gregos.

Primeiro uma constatação. É difícil ler ou falar de Tróia sem fazer a paridade com o filme. Para quem já viu, ele fica como sendo a sua referência mais firme a respeito.

Falando no filme Tróia, tem um povo que se diverte procurando erros em filmes. Olha esse aí de Tróia, cuja história se passa na era antes de Cristo.

Acharam um avião no céu. Os Aqueus certamente não pediram apoio aéreo para conseguir invadir Tróia.

Aquiles interpretado por Brad Pit
Figura: Aquiles interpretado por Brad Pit

Algumas coisas que o filme muda drasticamente:

Agamenon não morre na Guerra de Tróia. No Livro Oréstia - Agamêmnon, de Ésquilo, aprendemos que ele retorna para casa para ser assassinado pela esposa. Ela o mata na banheira com a ajuda do primo de Agamenon, que era seu amante.

O motivo do assassinato também é cruel. Agamenon sacrifica a própria filha para conseguir restaurar os ventos que levariam a sua frota em direção a Tróia. Em Coéforas, o Agamenon é vingado pelo seu filho Orestes, que mata a mãe e seu amante. Uma família e tanto.

Outro que não morre é Menelau, o corno desprezado. A guerra de Tróia inicia quando Páris rapta Helena, que era casada com Menelau. Para vingar-se, Menelau pede a seu irmão Agamenon que reúna um exército para enfrentar Tróia.

E pasme, no final, após a derrotar Tróia, o Menelau retorna para casa com a Helena, que volta a ser a sua esposa. Vai entender.

E tem a Cassandra, filha de Príamo, rei de Tróia. Ela recusou uma investida do deus apolo. Ele a condena a sempre adivinhar o futuro sem nunca errar uma profecia, porém nunca, ninguém vai acreditar nela. Uma maldição e tanto. Ela prevê que será assassinada, mas ninguém acredita, e ela não consegue evitar seu triste fim.

A Ilíada, ensina nosso mestre Alex Castro, é um livro que trata basicamente sobre a ira de Aquiles, que ultrajado por Agamenon, se recusa a continuar lutando. Nessa parte, Aquiles faz, no canto IX, uma das melhores reflexões da Ilíada:

Igual porção cabe a quem fica para trás e a quem guerreia;
Na mesma honra são tidos o covarde e o valente;
A morte chega a quem nada faz e a quem muito alcança.

A Ilíada é coalhada de deuses do Olimpo. Eles se metem em tudo, o tempo todo.

Os deuses do Olimpo são poderosos e fúteis. São antes de tudo muito vaidosos e muito arrogantes. Se algum mortal ousa fazer qualquer comparação com eles pode gerar uma ofensa mortal. Os personagens da Ilíada estão o tempo todo preocupados em agradar os deuses. Na verdade, eles estão sempre em posição frágil, ainda que eles consigam as graças de um deus, podem ter outro contra si. A luta é sempre injusta.

As batalhas são sempre supervisionadas. É um deus desviando a flecha, é outro escondendo o oponente para salvá-lo, até levando o protegido para outro lugar.

O melhor exemplo de como os mortais estavam expostos ao lidar com os deuses do Olimpo está na história de Níobe, das belas tranças. Ela se comparou a Leto do belo rosto, deusa do anoitecer. Níobe se jacta dizendo que teve doze filhos, enquanto a deusa só teve dois. Logo, para resolver essa gravíssima ofensa, os dois filhos de Leto, Apolo e Ártemis, mataram os filhos de Níobe. Não bastasse isso:

Durante nove dias jazeram no próprio sangue, pois ninguém
Havia para os sepultar: o Crônida transforma o povo em pedra

O Crônida é Zeus, que era amante de Leto.

A Ilíada é muito interessante, mas não tenho a devida competência para contar a respeito da grandeza da obra, então deixo a definição do Alex Castro:

“A Ilíada (ao lado da Bíblia) é o texto literário fundacional, o template básico das estruturas narrativas de nossa civilização greco-romana-cristã. Todas as narrativas sobre violência, de Shakespeare até os thrillers de Hollywood, lhes são caudatárias, e ainda buscam, em vão, superá-las.”

Nos clássicos gregos, tive a oportunidade de ler seis obras. Além da Ilíada e da Odisséia, encarei algumas das tragédias gregas. São livros que conversam entre si. A Ilíada termina quando Aquiles se acalma, logo após ele matar o Heitor, a obra encerra sem o término da guerra e sem a queda de Tróia.

Na Odisséia, Ulisses conta que Tróia caiu e dos destinos de alguns líderes como Agamenon e Menelau. Na Oréstia, é que sabemos como e porque Agamenon morre, e assim vai.

E sempre aparecem as curiosidades. Por exemplo, descobri que Nike é uma deusa grega da vitória. Para mim era apenas uma marca de tênis. Santa ignorância Batman. Olha os que diz a Wikipédia a respeito:

“A marca de roupas Nike teve seu nome inspirado na deusa homônima, Vitória de Samotrácia uma imagem de bronze desta deusa, encontra-se no Museu do Louvre; assim, o símbolo da marca (Nike) é semelhante a uma asa em homenagem à deusa alada da vitória”

Escultura em pedra da deusa Nike nas ruínas da antiga cidade de Éfeso
Escultura em pedra da deusa Nike nas ruínas da antiga cidade de Éfeso – fonte Wikipédia.

Outra curiosidade é a respeito do famoso calcanhar de Aquiles. Ele era um guerreiro invencível, mas como ele era mortal, tinha que ter alguma fraqueza. O ponto fraco dele estava no calcanhar. Isso não está na Ilíada, logo eu fui assuntar de onde veio essa expressão, e divido com vocês a resposta do Alex:

“O calcanhar de Aquiles: fontes e evidências
O Nuno perguntou de "onde veio a expressão calcanhar de Aquiles?" e eu, na sala aqui em casa, respondi:
"Da mitologia grega, ué. De onde mais?"
Aí minha esposa ralhou comigo, apontou que seria uma resposta rude, e disse que o Nuno obviamente queria saber a FONTE.

Bem, as evidências escritas mais antigas do calcanhar de aquiles são o poema "As argonáuticas", escrito por Apolônio de Rodes, no século III aEC, e o poema "Aquileida", escrito pelo poeta romano Estácio, no século I EC, onde aparece a história de Tétis segurando Aquiles pelo calcanhar e ou queimando sua mortalidade no fogo (no primeiro) ou banhando-o no rio Estige (no segundo).”

Ou seja, Tétis segurou o menino pelos calcanhares e o banhou, protegendo o corpo todo, menos os calcanhares.

E falando em frases fortes, gostei bastante desta fala de Agamenon na Oréstia:

Há poucos homens
Capazes de encarar com naturalidade
A boa sorte de um amigo, sem inveja,
Pois o veneno da malevolência vence
E toma posse da alma e dobra as amarguras
Dos torturados pelo sórdido despeito
Diante da visão da ventura dos outros
Em nítido contraste com a má sorte própria.

E termino este post com outra frase de Agamenon. Na verdade, ele nos dá uma dica preciosa. O comandante supremo das legiões Gregas sabia das coisas.

O dom do céu mais precioso é a prudência
Só é feliz de fato o homem cuja vida
Transcorre até o fim serenamente próspera.
Enquanto assim pensar terei mais confiança.

 

A Grande Conversa
A grande conversa está apenas começando. Nela navegaremos pelos clássicos, vendo como um autor conversa com o seguinte, e vai montando ao longo dos anos, e das histórias, uma grande conversa.
Se você tiver interesse, eu super recomendo:
www.alexcastro.com.br/category/grande-conversa.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

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caroline

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