Google e Facebook x Trump

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Nuno Figueiredo

19 de jan de 2021

· 7 min de leitura

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Não existe um valor universal que se aplique acima de tudo, e em qualquer situação. Isso vale para a liberdade de expressão. Todos têm o direito de se expressar, mas há limites.

O problema está em definir quais são esses limites e quem vai exercer esse controle.

Nada é mais sagrado que o direito á vida, para dar um exemplo. Mas todas as legislações que eu conheço inocentam alguém que mate um algoz atuando em legítima defesa. Portanto, qualquer valor tem que ser visto à luz dos fatos concretos.

Isso ocorre também com a liberdade de expressão. Se alguém gritar fogo em algum lugar fechado e cheio de gente, como num cinema, por exemplo, pode gerar uma catástrofe. Nesse caso, se houver uma retirada em massa, pessoas podem morrer pisoteadas, logo não faz sentido tolerar a liberdade de alguém se expressar desta forma.

Faz menos sentido ainda permitir que o direito de se expressar sirva para alguém cometer crimes, como incentivar um assassinato, ou cometer atos de racismo.

E chegamos numa famosa e muito utilizada frase do Voltaire:

“Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o último instante o teu direito de dizê-la.”

Pesquisando no Google achei essa menção que afirma que essa frase nem é do Voltaire: “frase escrita por Evelyn Beatrice Hall em 1906 na sua obra "The Friends of Voltaire" com o pseudónimo de S. G. Tallentyre, mas atribuída erroneamente a Voltaire”.

Mas o que interessa aqui é se alguém tem o direito de falar o que quiser, ou se a sociedade, e seus atores, devem atuar para calar os que passam de determinados limites.

Antes das redes sociais, esse papel era feito pela justiça. Tirando regimes ditatoriais, qualquer um pode se expressar da forma que bem entender. E deve pagar por isso, quando infringir alguma lei ou ofender a honra de alguém. Vivíamos no fale à vontade, mas tenha juízo, caso contrário, você poderá ser processado e/ou preso.

Desta forma você pode acusar um político de ladrão e de corrupto no churrasco da turma, porque você tem um amigo, cujo vizinho tinha uma irmã, cujo genro trabalhou numa repartição, e foi testemunha ocular de vários ilícitos.

Porém, se você fizer isso de forma pública e isso ganhar notoriedade, esse político pode te processar. Aí meu caro, ou você apresenta provas ou você vai pagar por danos morais, e terá que se retratar.

O problema é que as mídias sociais deram voz a todo mundo. Muitos falam publicamente como se estivessem num evento íntimo. Ninguém controla quando algo vai ou não viralizar. Você faz diariamente, um registro histórico, cujo conteúdo pode se virar contra você mesmo. Há vários casos documentados de gente processada e que teve que pagar por sua escrita descuidada.

Mesmo no meio digital, ainda temos a justiça que qualquer um pode recorrer. Precisamos de algo além disso? Este é o meu ponto.

O problema começa quando as mídias sociais estabelecem códigos de conduta e se tornam juízes do conteúdo alheio. Elas são cobradas por isso pela sociedade. E aí temos um problema: quem controla o controlador?

Como já tive a oportunidade de comentar em alguns posts como “O Dilema das redes”, as big techs como Facebook, Apple e Google, concentram demasiado poder; esse poder tem que ser controlado pela sociedade, sem limites, a livre concorrência e a liberdade de expressão ficam evidentemente ameaçadas.

E não é o caso de dizer que são empresas privadas, se você não gosta da empresa A, use os produtos da empresa B. Elas são dominantes e isso não é uma escolha.

Hoje para uma empresa, se você não está no Google, você não existe. Logo não é uma escolha, ou se garante a existência fora dessa empresa via concorrência franca e aberta, ou tem que se limitar o poder dessa empresa de tirar quem ela deseja dos seus algoritmos.

Já há vários processos antitruste contra as big techs em andamento na Europa e nos EUA, para coibir o poder destas empresas. Não sou eu que estou contra elas, mas eu concordo com a necessidade de impor limites.

E chegamos no Trump. Há um achismo que diz que o homem mais poderoso do mundo é o presidente dos EUA. Além de estar à frente de uma das maiores economias do mundo, senão a maior (tem a China também), este homem tem o poder de apertar um botão que pode iniciar uma guerra nuclear.

Eis que o Trump foi banido temporariamente do Facebook e do Instagram, e de forma permanente no Twitter, por violar as regras de conduta.

Claro que é mais fácil bater de frente com o presidente que está há duas semanas do fim de seu mandato do que se ele estiver no início do mesmo. Com um novo presidente em vias de assumir, é mais fácil brigar com alguém cujo poder está em vias de ser esvaziado.

Ainda assim, se eles podem bloquear o homem mais poderoso do mundo, quem está a salvo de seu poder?

Em tempo, e para deixar bem claro: não gosto do Trump, não endosso seu discurso de ódio, sua vontade de construir muros, brigar contra a defesa do meio ambiente, entre outras n questões. Por outro lado, temos que questionar se uma empresa dessas tem o direito de calar alguém, e se tem, quais os critérios? Esse controle pertence à empresa ou deveria pertencer a sociedade?

Não estamos falando do restaurante da esquina que não te aceita mais como cliente. Há uma diversidade ampla de restaurantes para você frequentar. É um direito do estabelecimento recusar um cliente, mas quando você fala das principais mídias sociais, não há outro lugar para ir, você simplesmente cala aquela voz.

Gostando ou não dela, faz parte da democracia permitir vozes dissonantes. Para essas empresas atuarem em países democráticos, elas não deveriam decidir em processos internos, se esta ou aquela voz precisa ser silenciada.

Se alguém está postando conteúdo pornográfico com crianças, lógico que está infringindo a lei e esse conteúdo deve ser retirado, e essa voz, que comete crimes, deve ser calada, mas há fronteiras e há nuances menos claras, pelas quais devemos debater até onde se pode ir.

O problema com o bom senso, é que alguém que faz discursos de ódio e racismo não acha que está fazendo isso. Para ele, o infeliz está usando a sua liberdade de expressão para fazer o mundo acordar, via a sua teoria maluca ou de conspiração. Ele acredita estar com a verdade do seu lado, e não raro, cunha frases como “só não enxerga quem não quer”.

Eu não tenho a solução para o problema. Talvez o simples seria fazer valer para esse mundo digital o que já vale para o mundo real. Quer banir uma voz, entra com um processo e obtenha uma sentença judicial. Precisa calar imediatamente? Consiga uma liminar.

Essas empresas têm orçamentos maiores que muitos países. Elas têm porte para financiar uma estrutura jurídica que dê suporte a isso.

Hoje estão calando o Trump. Amanhã podem calar você. Reitero: Eu não gosto do Trump, mas acho que a liberdade de expressão está acima do meu desgosto com ele.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

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