O que muda com o projeto BR do Mar?

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Henri Coelho

08 de set de 2020

· 8 min de leitura

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projeto BR do Mar
cabotagem
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A indústria de Cabotagem movimenta em torno de 1,2 milhões de containers por ano. Num país cujo PIB anda de lado, e neste ano será negativo, a cabotagem vive momento único crescendo a taxas superiores a 2 dígitos nos últimos anos.

A cabotagem concorre diretamente com o transporte rodoviário, e o crescimento deste mercado altera significativamente a matriz de transporte, hoje essencialmente rodoviária. O projeto BR do Mar pretende impulsionar ainda mais este mercado. Estima-se chegar à formidável movimentação de 2 milhões de containers por ano. Neste post vamos analisar os possíveis impactos deste projeto para o mercado de transportes e logística.

O projeto BR do Mar

Projeto Br do Mar

O governo federal enviou em agosto um projeto de lei para o congresso chamado BR do Mar. Este projeto tem como objetivo, segundo palavras de integrantes do governo, aumentar o volume de cargas transportados pela cabotagem e, consequentemente, diminuir o preço do transporte neste modal.

Este projeto foi enviado para ser apreciado em regime de urgência, onde o Governo Federal espera que em poucas semanas ele possa ter sido apreciado, aprovado e posteriormente sancionado pelo Presidente da República. É claro que neste trâmite pode sofrer alterações, mas da maneira como foi proposto, quais os principais impactos previstos?

Incentivos à cabotagem

De forma simplista, a cabotagem é o transporte de cargas entre portos do mesmo país ou de países vizinhos, sem perder de vista a costa. Neste ponto é muito diferente do transporte de longo curso.

O maior volume de cargas de cabotagem se refere a transporte de commodities, como petróleo, minério de ferro e grãos, tanto em toneladas transportadas quanto em número de navios.

Neste projeto o Governo Federal elenca vários benefícios para a cabotagem, e entre outros destaco:

  • Incrementar a oferta e a qualidade do transporte por cabotagem
  • Incentivar a concorrência e a competitividade
  • Ampliar a disponibilidade de frota no território nacional
  • Incentivar a formação, a capacitação e a qualificação de marítimos nacionais

Atualmente somente Empresas Brasileiras de Navegação podem fazer a Cabotagem no Brasil, e há necessidade de utilizar navios com bandeira nacional e possibilidade de afretar navios estrangeiros apenas correspondente a metade da capacidade em toneladas e em quantidade dos navios nacionais, com algumas regras de arredondamento.

Como os navios nacionais são muito mais caros que os navios estrangeiros (a China, por exemplo, produz centenas de navios por ano, com custo muito menor que o custo dos navios fabricados no Brasil), a trava acima dificulta o aumento da capacidade de carregamento por parte dos armadores pelos custos envolvidos.

Este é um dos pontos onde o projeto de lei propõe mudanças: ainda continua com a obrigatoriedade de que a cabotagem seja operada por uma Empresa Brasileira de Navegação, porém facilita o afretamento de navios estrangeiros por esta empresa, seja através de uma subsidiária sua no exterior, seja em condições específicas de afretamento de navios de outras empresas.

Estes navios tem que prestar serviço com 2/3 da tripulação composta de marítimos brasileiros, para preservar o mercado de emprego local, porém, no caso de afretamento de navio de uma subsidiária, ela permite que estes cumpram as leis trabalhistas do país onde o navio está registrado, o que pode diminuir os custos trabalhistas, mas gera alguns conflitos com outras empresas que estão operando navios nacionais com tripulação seguindo as leis trabalhistas nacionais, pois seu custo é muito mais alto.

Ainda há outros incentivos, como o que permite que uma empresa possa “experimentar” este mercado usando navios afretados antes de investir em frota nacional, porém apenas durante um período. Desta maneira a empresa pode ver a viabilidade econômica do novo negócio com um menor custo de entrada. Há promessas ainda de diminuir a burocracia nos portos no caso da cabotagem em comparação com os transportes de longo curso.

Navios de carga no porto

Cabotagem de Containers e concorrência com o modal Rodoviário

Embora a cabotagem de containers represente um percentual relativamente pequeno, em comparação com o peso transportado das cargas a granel, como petróleo e minério de ferro, um dos principais objetivos do governo é aumentar sua participação em relação ao modal rodoviário, com o foco de aumentar em 65% a quantidade de containers transportados num período de 2 anos.

Neste ponto a cabotagem diverge ainda mais das operações de longo curso: enquanto é muito comum que as operações de longo curso sejam feitas apenas entre os portos, o que chamamos de transporte Porto a Porto, ou seja, o armador apenas é responsável por transportar a carga do porto de origem ao porto de destino, e a logística de terra nos dois locais fica a cargo de outras empresas, no caso da cabotagem é comum que o armador se responsabilize também pelos processos rodoviários.

Como referência, é comum que o transporte Porto a Porto na cabotagem represente perto de 50% do total de containers transportados. Nas demais operações o armador é responsável pela logística de terra na origem, no destino ou em ambos.

Isto significa que o armador subcontrata uma transportadora rodoviária para utilizar os caminhões numa distância mais curta, apenas para fazer os processos de carregamento e descarregamento do container, e usa seus próprios navios de cabotagem para o trajeto mais longo. Para quem contrata o frete nesta modalidade continua sendo a contratação de uma só empresa, que se responsabiliza por tudo. Chamamos isto de transporte Porta a Porta.

No caso do transporte por cabotagem de containers há algumas diferenças relevantes em relação ao transporte rodoviário:

  • O Transit Time é maior: o deslocamento marítimo é mais lento que o deslocamento rodoviário, e há processos como o carregamento do navio na origem e descarregamento do navio no destino que acabam fazendo com que o tempo de trânsito da carga seja maior.
  • Há maior previsibilidade: as rotas são regulares, em geral com saídas semanais dos portos, o que permite ao Embarcador da carga ter uma previsão de embarque e chegada ao destino conhecida antecipadamente.
  • O seguro é mais barato: a possibilidade de acidentes ou roubos durante a perna marítima é muito menor do que ocorre com o transporte rodoviário, o que faz com que o seguro seja mais barato e que a entrega seja mais previsível.

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Entrada no Mercado

Para um novo armador passar a operar com a cabotagem há necessidade de muitas adaptações, que vão muito além da questão do afretamento ou aquisição do navio, como comentamos antes.

Há necessidade de estruturação de redes de prestadores de serviço para apoiar em todos os portos onde o navio vai escalar. Isto inclui ter transportadores rodoviários contratados para fazer o transporte para carregamento (ova) do container na origem e para seu descarregamento (desova) no destino.

Mas os prestadores de serviços não são só estes: há necessidade de prestadores de serviço com equipes para trabalho nos processos de Ova e Desova, que muitas vezes são terceirizados pelo contratante. Além disso, pelo risco envolvido no transporte rodoviário, em algumas situações é necessário contratar empresas de escolta para acompanhar o container.

No caso de sistemas – e é o ponto onde a Signa pode colaborar – há necessidade de controlar todos estes provedores na origem e destino, auditar seus pagamentos, os custos extraordinários, o que deve ser repassado ou não ao cliente, o que não é tratado por algum sistema estrangeiro – pelo menos, não com nossas especificidades. Os sistemas devem também emitir toda a documentação eletrônica, o que inclui o Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e) e o Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e).

Ainda cabe aos sistemas a integração com os sistemas dos clientes, recebendo suas informações de embarque e o alimentando com as informações de documentos emitidos, tracking das cargas e faturas emitidas, além de permitir o acompanhamento das operações e a verificação da rentabilidade de cada uma – tanto rentabilidade prevista quanto a rentabilidade real.

Mercado atual

Hoje há 3 armadores operando com cabotagem de Containers no Brasil:

  • Aliança Navegação e Logística
  • Log-in Logística Intermodal
  • Mercosul Line Navegação e Logística

A expectativa do governo é que ocorra um aumento na concorrência, com a entrada de novas empresas e também com o aumento da capacidade de carga dos atuais concorrentes.

E o que nos espera?

Mas é muito cedo ainda pra saber quais as mudanças pelas quais este mercado vai passar. O projeto pode sofrer muita alteração no Congresso, e há setores que ficaram insatisfeitos com a proposta feita – o que vai desde empresas que esperavam uma abertura maior para que empresas menores pudessem também competir até algumas associações do setor que criaram alguns vídeos pra mostrar as falhas do processo, bem como reclamando da falta de diálogo com todos os setores antes da apresentação do projeto.

Mas agora é esperar para ver qual o resultado final. E torcer para que este mercado possa mesmo crescer conforme a expectativa do Governo Federal.

 

Henri Coelho

Sou fundador da Signa, casado e pai de um casal de filhos que saíram melhor que a encomenda. Já nasci corinthiano, gosto muito de futebol, vôlei e xadrez, também de matemática. Podem torcer o nariz.

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Ultimos comentários

Andre Zanin

Parabéns pelo texto acima, somente notei a falta da menção da contratação do serviço de cabotagem quando um conteiner descarrega em Santos (origem estrangeira) de viagem de longo curso e o armador mesmo tendo uma outra viagem de outro navio próprio entre Santos e digamos Fortaleza não pode levar em seu navio (Waver) necessitando contratar a cabotagem...

Henri Coelho

Andre Zanin, obrigado pelo comentário. Interessante sua observação sobre as cargas feeder, entendo que se houverem novos entrantes neste mercado vão aumentar as opções para os armadores poderem distribuir suas cargas pelos portos brasileiros. E entendo também que o principal aumento de volume deve se dar no transporte de novos embarcadores ou no aumento do volume com os embarcadores atuais. Agradeço a leitura do texto.

Jorge Abussafy

Ótimo texto com muitas perspectivas. Trabalhei há muito tempo atrás no setor de Cabotagem, mas acho que os problemas que haviam nesse muito tempo atrás ainda continuam presentes, apesar de melhorados pelos investimentos. As diferenças de segurança e tecnologia de pesagem que haviam entre os portos de partida e chegada, as condições das estradas da malha e risco rodoviário são alguns deles. Mas o fato de ter um Projeto sobre o setor já é um bom começo.