Existe o destino?

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Nuno Figueiredo

15 de set de 2020

· 8 min de leitura

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Nada é mais poderoso do que uma ideia que chegou no tempo certo
Vitor Hugo

Você acredita em predestinação? Temos um caminho já traçado e andamos em direção a um script já definido, ou mudamos diariamente nossa direção com as escolhas que fazemos?

Sendo Deus Onisciente, ele sabe o que vai acontecer com cada um de nós. Como poderia ele saber, senão por isso já estar predestinado?

A solução de Santo Agostinho para isso é que Deus sabe porque sabe tudo, não porque esteja predestinado. Sendo Deus infinito, para ele não tem começo ou fim. Tudo ocorre ao mesmo tempo, logo ele sabe porque já viu.

Essa é uma das coisas que aprendi ao ler “Confissões”, de Santo Agostinho, um livro que inaugurou o estilo autobiográfico. Uma das leituras da Grande Conversa, que agora trata do Evangelho do Novo Testamento, entre outras obras.

Agostinho nos ensina que não existe o Mal. Tudo o que existe foi criado por Deus, logo nada que existe é do Mal. Nós temos o livre arbítrio, por ele fazemos nossas escolhas e, portanto, o nosso destino. A encarnação do Mal, o Diabo, nada mais é que um anjo, que usando o seu livre arbítrio, se afasta de Deus.

É um conceito parecido com as trevas. Não existe a escuridão, o que há é a ausência de luz, as trevas são simplesmente a falta de luz. Assim é o Mal, nada mais do que a ausência do Bem.

Nas palavras de Agostinho

“O mal não é senão a privação do bem, até o limite do total não ser.”

Heresias e textos Apócrifos

O novo testamento como o conhecemos hoje é baseado nos textos que foram confirmados como sendo cânones. Durante vários séculos, outras correntes do Cristianismo vicejaram e brigaram pela sua versão. O que existe hoje é a versão ‘vencedora’, com as divisões conhecidas entre as diversas religiões cristãs.

Tivemos o docetismo, o maniqueísmo, o donatismo, e o pelagianismo, entre outros. As discórdias entre essas várias versões iam do fato de Cristo ter ou não um corpo humano, por exemplo. O Alex Castro tem um texto bem legal a respeito aqui.

Os textos apócrifos tornaram-se importantes documentos que revelam como viviam e pensavam uma grande parcela da cristandade. Essa voz foi abafada pela Igreja Oficial, mas é um material que até hoje rende boas polêmicas. Tudo o que não está na Bíblia é apócrifo, logo não vale.

Eu li o Proto-Evangelho de Tiago como parte desta jornada. Aproveitei para ler o Evangelho de Maria Madalena e o de Felipe, simplesmente porque estes dois últimos são a base da trama do livro do Dan Brown, “Código Da Vinci”, e do filme de mesmo título, estrelado por Tom Hanks no cinema.

O Código Da Vinci diz, com base nesses dois textos, que Jesus era casado com Maria Madalena, e por ela teria produzido descendentes. Ela era a favorita dele. O livro basicamente nega a divindade de Cristo, aliás, isto é algo que não está nesses textos. Os textos acima apenas registram que ela era a favorita e era companheira de Jesus, no caso no sentido de esposa.

Filme - O código Da Vinci Livro - O código Da Vinci

O Código Da Vinci é um livro interessante, assim como o filme. Não vale a polêmica que pretendia gerar. É uma boa diversão e não pode ser olhada como nada além disso, mas é um bom exemplo do poder que esses textos podem ter.

O Evangelho

O Evangelho significa “boa nova”, ou basicamente o que Jesus trouxe à humanidade, a sua vinda e a sua mensagem. Os evangelhos estão reunidos no que chamamos de Novo Testamento.

Aprendi que é errado se referir à Bíblia Hebraica como sendo o Velho Testamento. Mais do que um nome, isso caracteriza a mesma como algo velho e ultrapassado pela nova mensagem, o que claramente depende do teu ponto de vista e da tua religião sendo, portanto, percebido como algo depreciativo para os que creem nela como sendo a única Bíblia.

Novamente eu falhei na proposta de ler a Bíblia como simples literatura. Li os Evangelhos de Marcos e Lucas, e o Apocalipse. Interessante notar que, mesmo entre os Cristãos, o mesmíssimo texto gera interpretações diferentes. Não raro, se lê o que não está escrito, ou se relativiza o que está escrito tomando como base outros livros da Bíblia. Isso é o que torna o livro único e tão rico.

Em Marcos (Mc 7,15) temos esta passagem:

Não há nada fora do homem que, ao entrar nele, possa contaminá-lo. O que sai do homem é que contamina o homem.
Também vós continuais sem entender?
Não compreendeis que o que entra no homem, vindo de fora, não pode contaminá-lo, porque não lhe entra no coração, mas no ventre e depois é expulso na latrina?
(com isso declarava puro todos os alimentos)

Porém há cristãos que tem uma série de restrições alimentares, como é o caso dos adventistas, que não consomem carne de porco ou camarão, porque consideram os mesmos impuros.

Consultei um especialista nesta religião. Resumidamente para ele tem que se analisar o contexto; não há contradição com Lev.11, porque não se fala nesse trecho de animais impuros. E Ainda me enviou um vídeo onde um pastor conclui a respeito deste mesmo tema

“Quando você ler um texto obscuro em um livro, verifique o que os outros evangelistas escreveram a respeito”.

A minha conclusão é que talvez não exista somente uma resposta correta. Tem que existir o respeito pelas diferentes percepções e realidades. Mas é sempre bacana você poder conversar a respeito, entender a outra visão.

Em tom de brincadeira um dos colegas de curso comentou que esse trecho aí seria a liberação do uso de drogas. Um bom exemplo de até onde se pode ir para distorcer um texto.

O ponto alto para mim do Evangelho de Marcos está em Mc 12,29. Um letrado pergunta a Jesus

- Qual o mandamento mais importante?
- O mais importante: Escuta, Israel, o Senhor nosso Deus é um só. Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente, com todas as tuas forças. O segundo é: Amarás o próximo como a ti mesmo. Não há mandamento maior do que estes.

Hoje é muito comum você ouvir e ler Cristãos proferindo discursos de ódio. Não ocorre somente com eles, mas sempre que eu leio uma nova Cruzada, seja contra os comunistas, ateus, terraplanistas, ou qualquer outra ista da vida, penso que o mais importante está sendo deixado de lado. Ou talvez a leitura atual fosse algo como:

“Amarás o próximo como a ti mesmo, desde que ele não seja.....”

Outras considerações interessantes no Evangelho, é que há a exaltação do pequeno e do fraco. A liderança que busca servir e não a fome do poder. O Cristianismo trouxe voz a uma parcela até então não retratada. Nos textos Gregos os heróis são os Reis, os deuses, não há o cidadão comum.

No Evangelho os protagonistas são pescadores, pintores, coletores de impostos. A escolha dos apóstolos firma bem a opção pelo lado menos privilegiado. É uma mensagem inclusiva, aliás é a precursora dos direitos humanos, algo hoje tão distorcido como sendo apologia para bandido.

Eu como católico, não muito praticante, vivo metendo o pau em várias coisas que considero erradas na Igreja. Como já disse alguém, deixar de ser Cristão por causa dos escândalos da Igreja é o mesmo que pedir para Pedro deixar de ser apóstolo por causa de Judas. Ambos viveram com Jesus, e cada um escolheu o seu caminho.

“Para quem não quer crer, nenhum sinal vale”.

Como alguém que já perdeu parentes muito queridos, inclusive o meu pai, gostei muito da parte onde Agostinho fala sobre a morte de sua mãe e nos ensina a lidar com essa fatalidade:

“O que se vai não te deixará, mas estará sempre contigo e permanecerá em Deus, que sempre está e permanece”.

E tem o Apocalipse

A leitura mais complicada foi a do Apocalipse. Ô livrinho complicado e difícil de entender. Lá fui eu comentar com o mestre Alex que não estava entendendo patavinas desse texto. O retorno dele é bem didático.

“Aliás, ler o Apocalipse e achar que vai ser VOCÊ, justo VOCÊ, a primeira pessoa a entender aquela maçaroca é provavelmente, tecnicamente, incorrer no pecado mortal da Soberba.”

 

A Grande Conversa
A grande conversa está apenas começando. Nela navegaremos pelos clássicos, vendo como um autor conversa com o seguinte, e vai montando ao longo dos anos, e das histórias, uma grande conversa.
Se você tiver interesse, eu super recomendo:
www.alexcastro.com.br/category/grande-conversa.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

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Ultimos comentários

Denise Tucciarelli

Muito bom!

Alfredo jose de lima

A Bíblia é de fato um livro diferente, a cada vez que a lemos encontramos verdadeiros tesouros, é um livro para ser lido com a alma, com o espírito e com o Espírito Santo como guia. Estamos de fato deixando de lado o que para mim é o maior mandamento deixado por Jesus, Amar a Deus sobre todas as coisas, e amar ao próximo como a si mesmo. Ainda que nos falte, por vezes, a paciência e a ira nos sobrevenha, afinal somos apenas humanos, ainda nos restara o perdão. O mundo seria um lugar melhor se praticássemos apenas esse mandamento, sendo ou não cristão. Acredito que fomos criados com um proposito, criados para o louvor e a gloria de Deus, criados à Sua imagem e semelhança. Creio que Deus é soberano sobre todas as coisas, onisciente, onipresente e onipotente. Acredito no livre arbítrio, que podemos escolher qual será o nosso legado aqui nesse mundo e creio que Ele é misericordioso, muito além daquilo que imaginamos ser misericórdia, por isso aprendemos a não julgarmos, pois nossa visão de justiça é muito aquém à Divina, embora saiba que não devo usar isso como escudo para fugir de minhas responsabilidades. Como protestante, apostólico e pentecostal, acredito que o `Antigo Testamento` é a base, a preparação para a chegada de Jesus Cristo (o Novo Testamento, a nova Aliança, as Boas Novas), o Messias, o Redentor e Salvador. Nele, Antigo Testamento, encontramos a história de um povo escolhido como povo de Deus, escolhido para que o mundo conhecesse a vontade do Pai. Encontramos exemplos bons e outros nem tanto, de como sermos servos de Deus, não devemos abandonar os ensinamentos ali contidos. E verdade que nós, humanos, temos usado a Bíblia ao longo da história, com propósitos distorcidos, propósitos que nos convenham e que passam ao largo da vontade Divina. Vivemos hoje o que se chama de era da informação ou desinformação, talvez, o que torna ainda mais verdade e que devemos buscar com afinco, nos lugares certos e na direção do Espírito Santo: Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertara. Para finalizar, o Apocalipse. Que Deus na sua infinita bondade, nos de discernimento e sabedoria, e acima de tudo nos livre dos tempos que virão. Caramba Nuno, quase ficou maior que o seu texto, rsrsr Abracos

Hélio

Muito bom texto.

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