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– Garçom, você se esqueceu de anotar boa parte do meu consumo, e está me cobrando menos da metade do valor.
– OK, só um minuto, já trago a sua conta novamente.
– Talvez se você anotar o pedido ao invés de memorizar ajude a evitar.
Sem reposta. Às vezes nenhuma resposta já é uma resposta. Talvez ele não se importe.
– Meu amigo, você estacionou numa vaga de deficiente.
– É só um minuto, jogo rápido – a resposta é curta e ríspida
– Alguém que realmente precisa vai ficar sem vaga.
– Isso não é da sua conta. – Um retorno novamente ríspido e final.
Talvez a deficiência desse fulano seja mental.
– A senhora entrou no estacionamento vindo pela contramão, isso é perigoso, além de ser um péssimo exemplo para os seus filhos.
– Por que você não vai cuidar da sua vida? – resposta em tom alto e desafiador.
Talvez esse tipo de mãe não vá formar um bom cidadão.
– Você saiu do banheiro sem lavar as mãos. Você vai para a cozinha mexer em alimentos, essa tua falta de higiene pode contaminar os clientes.
Ele olha para mim com cara de quem não é com ele e segue o seu caminho.
Talvez o cuidado com a higiene seja necessário somente em restaurantes mais caros e sofisticados.
Do cara que passeia o cachorro sem recolher as suas fezes, ao funcionário de alguém que vê o cliente precisando de ajuda e não mexe uma palha, há um número infindável que diálogos que nunca terei.
Não vou dizer para esse casal, que está furando a fila do cinema, que isso não é uma atitude civilizada. Não direi ao colega no vestiário que deixar o chuveiro ligado, enquanto ele bate papo, não é legal. Não vou dizer aos funcionários de vários lugares que eu frequento sempre que eles estiverem conspirando contra a empresa que lhes paga o salário.
Ninguém me elegeu xerife do mundo para eu sair por aí corrigindo os outros. Quem sou eu para fazê-lo? Não sou perfeito, cometo atos falhos como todo mundo.
Por outro lado, é por isso que tem gente que trafega no acostamento, que não dá passagem para a ambulância, ou pior, aproveita a passagem da mesma e segue no vácuo.
São coisas pequenas. É fechar um cruzamento, é furar uma fila. É usar os recursos que não são meus como se eles não custassem dinheiro. É o desperdício do alheio.
Não é nada grave. Ninguém foi assassinado. Ninguém foi assaltado. Não há um crime em andamento. Há apenas uma falta de empatia e civilidade.
Um fato isolado não seria uma catástrofe. Um hábito disseminado na sociedade sim. Ao não dialogarmos com essas pessoas, nesses momentos, validamos a atitude. Mesmo que a gente não aprove, dizemos silenciosamente que você pode fazer isso porque eu não vou me incomodar, e me arrumar um monte de problemas, para tentar consertar algo que não me diz respeito.
Você não é do meu departamento. Eu não sou o seu chefe. Eu não sou o seu pai. Eu não tenho intimidade suficiente. Nunca te vi mais gordo e provavelmente nunca mais verei, por que vou me desgastar desnecessariamente com isso? Não fazer nada é uma atitude.
Um exemplo prático e real: no aeroporto aguardando a minha vez na fila do taxi, veio um cara com a família e furou toda a fila, sem nenhuma cerimônia, e se colocou como o primeiro da fila. O que estava a minha frente saiu da fila e foi lá apontar o dedo para ele e lhe disse, em alto em bom som, que ele estava furando a fila.
Ele não pediu para ele sair, não fez nenhuma menção de retirá-lo, não pediu que ninguém o fizesse. Apenas deixou claro que algo errado estava sendo feito. Submeteu o sujeito a um constrangimento público. As fisionomias de todos da família dele diziam bem que, no final, não valia a pena ganhar alguns minutos e tomar um pito público.
Essa é uma forma de agir, tomando uma atitude. A anterior é achar isso errado e ainda assim não fazer nada a respeito. Existe uma terceira.
O Alex Castro, em seu livro Atenção, ensina que podemos pensar que talvez aquela mulher que está parando na vaga de deficiente na farmácia tenha sido despedida, e está passando sérias dificuldades financeiras. A mãe dela está no hospital enfrentando um câncer terminal. O pai adoeceu. Ela passou a noite no hospital. Está dando uma passada na farmácia para comprar remédio para o pai e super atrasada para um bico que arrumou para ajudar a pagar o aluguel, que está três meses atrasado.
Não sabemos nada da pessoa, da sua vida, e talvez a gente escolha enfrentar alguém que está vivendo o inferno na terra. Eu resolvi beber direto da fonte e questionei o escritor.
- Mas a falta de feedback não gera um aceite silencioso, uma indicação de que eu tolero esse tipo de comportamento, e nunca teremos uma sociedade civilizada porque não repreendemos esses desvios que tornam o dia de todo mundo mais complicado?
Exponho aqui o retorno do Alex, que é a outra forma de vermos o mundo.
Você acha mesmo, mesmo mesmo, do fundo do seu coração, com toda a sinceridade, que quando uma pessoa, digamos, pára na vaga errada e você vai lá reclamar com ela...
... que 1) você está fazendo isso friamente, pelo objetivo pragmático de "ter uma sociedade civilizada" e 2) que você acha mesmo que essa sua pequena ação individual com essa pessoa individual é o que vai nos levar a "ter uma sociedade civilizada"?
Você, naturalmente, faz o que quiser.
eu, por mim, acho sinceramente que, quando brigo com a pessoa que parou na vaga errada, eu estou, antes de mais nada,
1) dando vazão aos meus piores e mais mesquinhos instintos, aproveitando a licença que me dei de brigar e ser escrotinho com uma pessoa só porque eu a peguei fazendo algo errado, e,
2) que é uma ação mínima, de uma pessoa mínima, sobre uma pessoa minima, que não tem o menor poder de nos levar a "ter uma sociedade mais civilizada".
Mas, fundamentalmente, eu não tenho opinião alguma sobre o que você fez, e eu prefiro ser a pessoa que é gentil e generosa com as outras, mesmo com quem pára na vaga errada.
Eu não sei, e não tenho como saber, qual é a atitude certa para uma sociedade melhor. :)
Só posso decidir o que EU quero fazer a cada nova interação específica. :)
Não é ótimo quando escrevemos para o cara cujo livro a gente leu e ele responde? 😊
Não há uma única resposta para esta questão. Alguém já disse que mais importante que ter uma resposta é fazer as perguntas certas. Enquanto eu não chegar a uma conclusão, estes vão continuar sendo os diálogos que nunca terei. E se você tem uma resposta, me deixe saber.
Nuno Figueiredo
Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.
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A educação e a gentileza ainda é o melhor caminho.