A nova cadeia global de abastecimento

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Nuno Figueiredo

12 de mai de 2020

· 5 min de leitura

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cadeia global de abastecimento
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China
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A china bloqueou 500 dos 3000 respiradores adquiridos pelo governo de São Paulo e que seriam destinados a UTIs. A China ainda impôs restrições logísticas que limitam o embarque a 150 unidades. Ao invés de um frete consolidado, terão que ser feitas n viagens fracionadas. E o custo logístico não é a parte relevante. Serão vidas perdidas de pacientes que não terão o respirador disponível no tempo necessário.

O fato do mundo se encontrar dependente da China para comprar itens básicos como máscaras, respiradores, entre outros, indica o lado frágil da globalização e da otimização da cadeia global de abastecimento.

O modelo ótimo de performance, economia de insumos e gestão de estoques foi pensado e planejado para otimizar a cadeia em situações normais. Como aprendemos a resolver problemas na física, considerando situação normal de pressão e temperatura, com gravidade fixa e sem atrito. Pois é, não estamos em tempos normais.

Uma economia pujante como a Brasileira deveria ser capaz de se virar e produzir seus próprios respiradores, certo? Bom, nem a Americana consegue fazer isso, imagine nós. Não é porque a tecnologia necessária não está disponível ou dominada.

A empresa Israelense Medtronic, num ato muito altruísta, liberou todas as suas patentes do seu respirador portátil. É público, qualquer um pode produzir. Por que não produzimos? Bom, são décadas de globalização produzindo onde é mais interessante do ponto de vista econômico. A China se tornou a grande fornecedora global. E de repente, esse grande fornecedor não consegue atender um pico de demanda global.

Não basta montar o respirador, a maior parte de suas peças também vem, adivinhe só, da mesma China.

Até para produzir máscaras de pano precisamos dos chineses. Uma costureira júnior com um curso básico de corte e costura consegue produzir uma máscara, mas em escala não. Não estamos prontos para produzir em larga escala nem algo tão simples.

Isso certamente será repensado. Países como os EUA acordaram e sentiram na pele o risco que é depender de terceiros para poder fazer testes para identificar um vírus, ou para municiar a sua rede de saúde, de aparelhos e EPIs necessários para enfrentar uma pandemia.

Essa lição terá impacto no Just in Time provido por uma azeitada cadeia de suprimentos global.

Outra coisa que eu estranho muito é por que não estamos em um esforço de guerra? Em tempos de guerra governos interferem em suas economias com o que for necessário e suficiente para enfrentar o desafio.

Lembro de um diretor do armador Hamburg Sud me contar que na segunda guerra mundial, o governo alemão requisitou 100% da frota de navios da empresa para uso militar. E a empresa sobreviveu a isso. Um armador sem navios. Esse é um exemplo simples do alcance do poder que um governo pode ter em tempos de emergência.

Outra coisa comum é adaptar todas as indústrias à premente necessidade nacional. Você fazia geladeiras, agora tem que fazer bombas, tanques e o que mais for necessário. O governo aprova leis que permitem a interferência em ativos de terceiros para que estes atendam demandas inadiáveis.

Não precisamos chegar a tanto. Basta usar a melhor ferramenta disponível no capitalismo: l’argent, money, dinheiro.

Por que a indústria têxtil nacional não foi mobilizada para produzir máscaras é algo que foge à minha compreensão. O que vimos até aqui foram iniciativas isoladas de empresas que resolveram alterar a sua linha para doar algo que não produzem, como álcool gel.

A gestão para canalizar as competências existentes e buscar soluções nas empresas de forma coordenada para suprir no mercado nacional o que for possível, é algo que já deveria ter sido feito. Temos no Brasil montadoras, sabemos produzir armamentos sofisticados, carros e aviões, certamente temos competência técnica para fazer um respirador. Essas indústrias deveriam estar em regime 24x7 produzindo, ao invés de ficarmos esperando a boa vontade de fornecedores estrangeiros.

Um exemplo do que pode ser gerado nesse tipo de esforço é o movimento StartupsVsCovid19. Um grupo resolveu mapear todas as startups que tenham produtos e soluções que possam ajudar no combate a COVID. Em pouco tempo mais de 20 empresas foram cadastradas e engajadas num esforço em rede para apoiar esta importante causa. Para saber mais acesse startupsvscovid19.com.

Temos muita competência e parque instalado disponível. Se o mercado em ações isoladas consegue gerar esse tipo de resposta, imagine se isso for coordenado e gerenciado. Uma pena que esta oportunidade esteja sendo perdida.

Talvez o seu próximo iPhone ainda seja feito na China, mas veremos as indústrias nacionais voltarem a fazer tudo o que for considerado básico ou estratégico. Não dá para depender de um único país. Essa lição ficou muito clara, resta ver quem agirá a respeito.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

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Ultimos comentários

ERICK DOMINGUES

Eu li em um artigo sobre Compliance a algumas semanas que o "MADE IN CHINA" estava sendo substituído pelo "MADE IN SOMEWHERE ELSE". Essa mudança já estava ocorrendo a algum tempo desde que as tensões entre os USA e a China começaram entretanto devido a falta de transparência do governo Chines e a postura de aumentar os preços já negociados para se aproveitarem economicamente dessa situação especificamente no caso do COVID 19 está acelerando esse processo.

DANIEL DE MELLO OLIVEIRA

Nuno, concordo completamente! Quando digo que o governo deveria ter me posições de liderança um quadro de especialista, isto aplica as áreas técnicas, administrativas e estratégicas. Algo que ainda veremos no Brasil, com certeza...

Mauricio Ponte Rodrigues

Nuno, Seu artigo fez refletir o quanto é importante a gestão e aquisições contratuais na cadeia de suprimentos. Uma empresa pode ficar vulnerável, quando adota um fornecedor, em que, por outras forças passa atendê-lo com exclusividade. Ainda que haja respaldo legal, o contratante pode se tornar refém, solidário e subsidiário ao contratado.

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