A era medieval

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por

Nuno Figueiredo

20 de out de 2020

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peste bubônica
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A população da terra era de um milhão de pessoas até o ano 10 mil a.c., com a melhoria nas técnicas de agricultura chegamos a 170 milhões no ano 1 d.C., e esse crescimento não parou até meados de 1300, quando houve uma severa redução.

A epidemia da peste bubônica dizimou de 30 a 50% da população mundial. Em alguns lugares a mortalidade chegou a 80%, como foi o caso de Florença.

E é sobre a idade média que continua a Grande Conversa, um período de grandes contrastes, ora com fome, guerras e a peste, se alternando com períodos de paz e abundância.

A leitura principal foi o Decamerão, de Giovanni Boccaccio, uma leitura muito antenada com os tempos atuais, porque este livro se passa no meio da maior epidemia que temos notícia na história.

Infográfico Epidemias

No infográfico acima vemos todas as epidemias que a humanidade já conheceu, com o número estimado de mortos. O tamanho da bola é proporcional à sua letalidade. O maior deles é justamente da peste negra, que entre 1347 e 1351 matou cerca de 200 milhões de pessoas.

A descrição da peste negra é devastadora, do mesmo relato no livro História Medieval:

“A doença (tanto a do século VI quanto da do século XIV) era resultado de uma infecção causada pelo bacilo Yersinia pestis (descoberto em 1894 e cujas origens remontam à Idade de Bronze), que se apresenta de três formas: a pulmonar, a bubônica e a septicêmica.

A primeira é a mais contagiosa, pois não necessita vetor, sendo transmitida através de gotas de saliva projetadas no ar pela tosse de indivíduos doentes. Sua taxa de mortalidade era de 100%.

A segunda forma de infecção, a bubônica, foi a mais difundida na Europa medieval. Ela se transmite de forma indireta, por meio da picada de pulgas que vivem em ratos domésticos.

Essa picada inocula o bacilo no organismo humano, atingindo o sangue e provocando a necrose das células em todo o corpo, particularmente no ponto de inoculação do bacilo, onde se forma uma superfície gangrenada.

Estima-se que, na época, entre 20 a 40% dos doentes atingidos pela bubônica sobreviviam, o restante desenvolvia a terceira forma de infecção, uma septicemia aguda que atinge o coração, os rins e os pulmões e que conduz a morte.”

Não espanta que tenha matado tanta gente. O Corona perto disso parece não ser tão devastador.

É nessa época que no Decamerão, sete mulheres e três homens, da aristocracia, se refugiam no interior, para fugir de tanta desgraça. Eles passam os dias contando novelas, no melhor estilo das mil e uma noites.

O livro não se escusa de retratar, no entanto, a época em que vivia e como isso afetava a sociedade:

“Em meio a tanta aflição e a tanta miséria da nossa cidade, a reverenda autoridade das leis, tanto divinas, como humanas caíra e dissolvera-se.

Por decorrência deste estado, era lícito, a todos, fazer o que bem lhes agradasse.

Um irmão abandonava o outro; o tio abandonava o sobrinho; a irmã, a irmã; e, com frequência, a esposa desertava do seu marido. Os pais e as mães sentiam repugnância de visitar e servir os filhos, como se estes não fossem seus (e esta é a pior coisa, quase inacreditável).

Eram tantos os mortos que, por escassez de caixões, os cadáveres se punham sobre simples tábuas. Não foi um só o caixão que recebeu dois ou três mortos ao mesmo tempo.

Entre março e julho, mais de cem mil criaturas humanas se tem por certo que foram tolhidas da vida, dentro dos muros da cidade de Florença”

Tantas mortes gerou uma crise demográfica, e gerou uma tensão que culminou nas revoltas camponesas que marcaram a Europa Ocidental nos séculos XIV e XV.

Como retrata o livro da História Medieval:

“(os camponeses) decidiram viver segundo seu prazer e usar suas próprias leis, tanto no que diz respeito à renda das florestas quanto no que se refere à exploração dos córregos”

A retaliação da nobreza foi a altura para conter o efeito manada.

“(o duque) mandou que cortassem suas mãos e seus pés e devolveu-os impotentes, aos seus próximos. Estes se abstiveram a partir de então de tais atos e o medo de sofrer algo semelhante tornou-os mais prudentes.”

Um efeito colateral é que estavam sobrando terras e faltando gente para trabalhar nas mesmas. Isso promoveu uma melhoria nos ganhos dos trabalhadores, pura oferta x demanda.

O início da idade média foi marcado pela queda do Império Romano do Ocidente, no ano de 476.

A era medieval é também onde iniciam as Cruzadas, onde milhares morreram em prol da dominação de uma única religião. Estranhamento o papa Urbano II reuniu um concílio no ano de 1095 onde tratou da Paz de Deus. No pacote estava o perdão e o incentivo a quem se aventurasse a ir contra os pagãos:

“A todos aqueles que partirão e que morrerão no caminho, quer seja na terra ou no mar, ou que perderão a vida combatendo os pagãos, a remissão dos pecados lhes será acordada”

É uma paz no mínimo esquisita. Também vem da Idade Média outro grande flagelo, a Inquisição, nascida entre 1231 e 1233, sob o pontificado de Gregório IX.

“O caráter extraordinário do procedimento é afirmado: ele é secreto, os nomes das testemunhas não são divulgados, os acusados não têm direito a nenhuma assistência; todo recurso lhes é negado. A Inquisição é antes de tudo, a manifestação e o instrumento do poder pontifício.”

E valia tudo para obter uma confissão:

“A confissão atesta, assim, a realidade da acusação. Além do mais, a busca da confissão leva os juízes a obtê-la por meios violentos: a majestade do aparelho judiciário, a pressão carcerária e a tortura, legalizada em 1252.”

Justamente por viver em um período tão nefasto, os protagonistas do Decamerão vivem contando novelas de amor, traição, sempre com um tom alegre, uma válvula de escape para a realidade que os cercava.

É interessante como as mulheres são retratadas no livro. O diálogo abaixo é inimaginável nos dias de hoje.

“Não existe mulher alguma tão ingênua, a ponto de não saber bem como as mulheres, quando juntas, são pouco ajuizadas, e mal sabem governar-se sem o concurso de qualquer homem.

Disse, então, Elisa:

- Em verdade, os homens são a cabeça das mulheres; sem a ordem deles, raras vezes alguma obra nossa chega a fim digno de louvor”

Ainda assim, Boccaccio é generoso com as mulheres. Elas são protagonistas de várias histórias, são livres para traírem e serem traídas, e tem direitos iguais em relação ao sexo e as aventuras amorosas.

É difícil gostar desse período, nós com muita facilidade associamos a idade média a algo ruim. Se alguém comenta que fulano é retrógrado usualmente fiz que ele vive na era medieval.

Cabe registrar que nessa época tem também coisas boas, as universidades e os hospitais nasceram nesse período. No fim Decamerão dá uma boa ideia de como fazer confinamento em uma epidemia, se tranque com alguns amigos e se isole do mundo em boa companhia.

No caso deles funcionou porque eram ricos. A ideia é boa, mas é para poucos.

 

Capa: Pieter Bruegel the Elder, Triumph of Death, c. 1562

 

A Grande Conversa
A grande conversa está apenas começando. Nela navegaremos pelos clássicos, vendo como um autor conversa com o seguinte, e vai montando ao longo dos anos, e das histórias, uma grande conversa.
Se você tiver interesse, eu super recomendo:
www.alexcastro.com.br/category/grande-conversa.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

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