Trust Me or Not

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Nuno Figueiredo

21 de nov de 2018

· 5 min de leitura

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bolha
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Você pode estar vivendo numa bolha. E, por se isolar nela, você pode estar sendo manipulado.

Eu sei que essa frase é quase ofensiva. Admitir que somos passíveis de manipulação significa, em nosso íntimo, aceitarmos algum grau de burrice ou ingenuidade. Ninguém se sente confortável com isso. Não sou só eu que afirmo isso. Veja o caso do Barack Obama. Ele conduziu a mais eficiente campanha política da história moderna usando as redes sociais. Ele foi o precursor disso e conhece intimamente o poder das mídias sociais. O ex-presidente dos EUA ao falar sobre o poder desses algoritmos afirma:

“Não percebemos o grau que as pessoas no poder, as que têm interesses especiais, os governos estrangeiros, etc., podem, de fato, manipular isso”.

Os algoritmos lêem uma base de dados enorme a nosso respeito. Conhecem cada vez mais sobre nossos hábitos, nossos gostos e aprendem a sugerir algo que identificam que bate com o nosso perfil. O Obama dá um exemplo brilhante a respeito:

“Houve um experimento, não científico, na revolução ocorrida no Egito, na praça Tahrir. Pegaram um liberal, um conservador e um “moderado”, e lhes pediram uma pesquisa no Google. “Egito, digitem”. Para o conservador apareceu “Irmandade Muçulmana”. Para o liberal, “Praça Tahrir”. Para o moderado, apareceu “Locais de férias no Nilo”.

É o que ocorre com as páginas do Facebook, de onde as pessoas tiram as notícias. Uma hora, você está em uma bolha. Em parte, é por isso que nossa política está tão polarizada.”

Ele está falando do ambiente político americano. É inevitável concluir que nosso ambiente político também está cada vez mais polarizado.

A maior parte do conteúdo que consumimos é digital, e o mesmo é ofertado por algoritmos que não são isentos. Um programa contém uma concepção ou conceito que determina como ele deve funcionar. Programas mais sofisticados são parametrizáveis, ou seja, você pode calibrar o seu funcionamento para produzir um resultado esperado.

O que nós consumimos vem de fontes nem sempre conhecidas. Aquele artigo que seu amigo compartilhou vem de onde? De algum algoritmo que sugeriu a ele esse post, a partir daí ele passa de mão em mão, e recebe o carimbo de confiabilidade e endosso de alguém conhecido.

O problema é que nos reunimos em grupos por afinidades. Não raro, não há uma variação grande de pensamento dentro de um determinado grupo e isso gera a bolha. Com alguma variação todos concordam em nível geral. Os mesmos princípios e valores alimentam e retroalimentam o grupo, com cada vez mais do mesmo, num loop que a cada iteração reforça a crença, seja esta qual for.

Se alguém no grupo não comunga de suas diretrizes, inicia a discussão, que evolui para a briga e acaba em pessoas se retirando do grupo. Logo, este naturalmente converge para o pensamento mais uniformizado. Em grupos mais públicos vira uma briga, normalmente permeada de desonestidade intelectual, um nós contra eles, seja lá qual for a bandeira que cada parte defende.

Nos resta acreditar ou não que as empresas que estão por trás desses algoritmos sejam idôneas, não os manipulem e nem permitam que essas informações vazem para as mãos de entidades que não tenham o mesmo código de ética.

Há uma questão comportamental, mas o ponto que considero crucial é que existem atores que estão trabalhando de forma profissional para manipular a manada. Às favas com os fatos, cada um tem o seu manancial de Fake News disponível. A mesma história é repetida tantas vezes que o falso assume ares de verdadeiro. Aí vem a manipulação.

O escândalo da Cambridge Analytcs confirma isso. A empresa coletou e aprendeu sobre o comportamento de milhões de pessoas para identificar perfis e resolveu usar todo aquele manancial de informações para manipular a opinião pública. Novamente recorrendo ao Barack Obama:

“Um dos maiores desafios da democracia é o grau em que não compartilhamos uma base comum dos fatos. Nós funcionamos em um universo de informações totalmente diferente”.

O papel da tecnologia é central aqui. Jamie Bartlett no livro People Vs Tech, fala sobre o monopólio das grandes empresas em influenciar e condicionar o caminho:

“A tecnologia não é positiva, nem negativa. Mas ela também não é neutra. E é isso que acontece com a democracia.”

Vivemos uma realidade onde já há pessoas que tem a sua atividade de trabalho totalmente controlada por algoritmos. O programa decide qual a sua próxima tarefa, quanto você vai receber por ela, avalia o resultado e pode inclusive te demitir. Você pode ler mais a respeito nesta notícia. “Seu próximo chefe: um algoritmo”.

Estamos rodeados por algoritmos que sugerem o que você vai comer, com quem você pode transar ou namorar, onde você pode trabalhar e no que você deve ou não acreditar.

Se os algoritmos cada vez mais controlam nossa vida, quem controla os algoritmos?

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

Foto: Marc Sendra martorell

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Ultimos comentários

Daniel Oliveira

Ao final deste texto, fui remetido a série Black Mirror.... Acredito que podemos mudar o caminho, mas não será para todos. Em minha opinião a próxima fase criará duas facções: os libertos e os dominados pela tecnologia. Veremos!

Luciano Bortoncello

Parabéns ao texto. Um problema atual que estamos enfrentando em vários níveis sociais e culturais. Um desafio que ainda não temos solução prontas e que nos desafia a refletir e a pensar. Podemos lidar eticamente dos algoritmos ? Como reconhecê-los ? Como lidar com a manipulação tecnológica ? O que pode nos ajudar, quais as mudanças necessárias ? Urgente que este debate entre nas universidades e em todos os meios de comunicação e debate, político, de trabalho, empresarial, social e cultural.