Quanto vale a nossa atenção?

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Nuno Figueiredo

21 de jul de 2020

· 8 min de leitura

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Um gerente de TI me confidenciou o motivo de ter demitido uma funcionária de sua equipe:

- Ela não era multitarefa. Sabia executar as tarefas com perfeição, mas somente uma coisa por vez, e isso para nós não serve.

Na hora esse comentário me incomodou. Fiquei pensando com os meus botões o quanto eu sou multitarefa. Refleti sobre os nossos colaboradores na Signa e me peguei fazendo uma avaliação de quem era mais ou menos multitarefa. Esse tema ficou no meu radar.

Eu nem sei se isso é uma competência. E se for, será que é um atributo positivo ou negativo?

Quando eu estava lendo o livro “Atenção”, do Alex Castro, o texto abaixo conectou o assunto. Como disse o Steve Jobs, eu liguei os pontos.

“Um possível diálogo entre porcos:

- Temos comida farta, um canto gostoso pra dormir, lama pra brincar, médico para quando ficamos doentes.

- O que mais poderíamos querer, não? É muito bom ser cliente dessa fazenda.

Nós, pessoas humanas, ao buscar curtir na internet, somos como porcos na fazenda: se não estamos pagando, então, não somos os clientes, e sim o produto sendo vendido. Em "troca" dos serviços da fazenda, os porcos perdem brutalmente sua carne e sua vida; nós, em troca de vídeos de gatinhos e afagos no ego, damos voluntariamente nossa atenção e, também, nossa vida.

Nossa atenção é a commodity mais valiosa do mundo.”

Ele está certo. Podemos dar a nossa atenção ao nosso celular ou à nossa família.

Você pode jantar com a sua família com a TV ligada. Você pode querer saber sobre como foi o dia da esposa ou dos filhos entre um comercial e outro, com inevitáveis paradas ocasionais para algum assunto que te chamou atenção na tela. Tudo no final será atenção plena ou não, que será aplicada àquela pessoa, naquele momento. Se ainda rolar um celular na mão de cada membro da família, aí a conversa será curta.

Família foi visitar a avó que estava se sentindo muito sozinha. Foto que se tornou viral.

Família foi visitar a avó que estava se sentindo muito sozinha. Foto que se tornou viral.

Eu nunca passei nem perto de um estúdio de cinema, mas já vi vários filmes a respeito de atores e diretores nos bastidores de uma produção. É uma montanha de gente trabalhando meses para produzir um resultado final que tem de cerca de duas horas.

É um tal de filmar, refazer, mudar o ângulo, a iluminação, a interpretação, até chegar perto da perfeição. E normalmente várias cenas são editadas e cortadas no final, num trabalho exaustivo para que só sobre aquilo que faz sentido, que orna, que vale a pena.

E aí você senta na frente da TV e assiste o filme, e entre uma cena ou outra, dá uma olhada nas mensagens, navega no Face, no Insta, mais uma olhada no zap. E transforma isso numa experiência mais pobre, perde nuances, detalhes, enredo. Na verdade, essa atitude multitarefa é um engodo. Você só está fazendo uma, e somente uma, coisa num determinado momento.

Alternar entre o filme e o celular, faz com que você perca minutos de filme e veja superficialmente, seja lá o que for, no celular.

Eu gosto muito de filmes e livros. E tenho uma memória muito boa para isso. Acho que grande parte dos detalhes que guardo tem a ver com a atenção que eu dedico a essas atividades.

Mãe ignora a filha enquanto dá atenção ao celular

Mãe ignora a filha enquanto dá atenção ao celular

Vou te contar uma coisa: O processador do seu computador é multitarefa. Essa é uma capacidade desejável, que permite que vários programas rodem ao mesmo tempo. Assim enquanto você trabalha numa planilha, o desktop vai te mandando alertas: Chegou um e-mail, duas novas mensagens instantâneas e um alerta no Skype.

Fugindo da tecnicalidade que só interessa aos Nerds, na verdade, o processador não faz tudo ao mesmo tempo. Ele intercala as atividades numa velocidade rápida e nos dá a impressão de que tudo acontece em paralelo, mas na verdade ele processa 3 instruções na planilha, pausa, vai para o e-mail, processa outras 3, pausa, vai para o Skype, processa outras 3 e por aí vai. Ele percorre rapidamente diferentes processos alterando a prioridade do processamento de forma a dar conta de múltiplas tarefas.

É por isso que quanto mais programas você abre ao mesmo tempo, mais lento se torna o computador. Além do óbvio consumo de memória, o processador tem que “correr” mais, para dar conta de mais atividades, ao mesmo tempo.

No entanto, você tem a sensação de que o computador está mais rápido, quando na verdade ele demora mais para fazer a primeira tarefa, justamente porque precisa também dar atenção às outras. Talvez, pelo fato de estarmos sempre com pressa, tudo tem que ser feito a toque de caixa, a gente tenha a sensação de maior produtividade, quando na verdade, o efeito final é justamente o oposto.

Se toda essa parafernália nos torna mais conectados, na vida pessoal e profissional, a qualidade de nossa comunicação e a produtividade deveria ter melhorado. Mas não é isso que a pesquisa da “The Economist Intelligence Unit” afirma:

“Mais da metade (55%) diz perder algumas horas da semana resolvendo problemas causados por falhas na comunicação. 16% chegam a passar mais de um dia por semana fazendo isso, e apenas 3% não dedicaram tempo a tarefas desse tipo recentemente.”

Ser multitarefa funciona bem para máquinas, mas o ser humano não foi desenhado para isso. Quanto mais dividimos a nossa atenção, temos menos foco, menos efetividade e menos empatia.

Esse sentimento de que somos multitarefa é inclusive muito perigoso. Dirigir e usar o celular é um bom exemplo. No fundo a gente acha que dá conta de fazer os dois. São apenas uns segundinhos, e crash!

Cerca de 150 pessoas morrem diariamente no trânsito por conta do uso de celulares (Imagem: JusBrasil)

Cerca de 150 pessoas morrem diariamente no trânsito por conta do uso de celulares (Imagem: JusBrasil)

Querer ser multitarefa, neste caso, cobra um preço caro, como ressalva o artigo do Canal Tech, cujo trecho reproduzo abaixo.

“Segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), o uso de celular no volante é a terceira maior causa de morte no trânsito no Brasil, perdendo apenas para o excesso de velocidade e motoristas embriagados. As estatísticas são alarmantes: cerca de 150 pessoas morrem por dia, vítimas de motoristas desatentos devido ao uso do celular. Isso equivale a cerca de 54 mil óbitos por ano”.

Propaganda da CET-SP, baseada nas estatísticas da Abramet.

Propaganda da CET-SP, baseada nas estatísticas da Abramet.

Não se trata de acessar ou não todo esse aparato que nos cerca. Não é mais uma escolha estar ou não nesses ambientes. Se você não está, não existe. Claro que você tem essa escolha, assim como você pode escolher morar sozinho numa floresta. Quem está fora desse mundo é um ermitão digital: eles existem, mas não sugiro isso como modelo.

Eu trabalho com todos os aplicativos e distrações possíveis na minha tela, mas tenho minha lista de prioridades escrita, ainda em papel, na minha frente, o dia todo. Ela me lembra o que não pode ser deixado de lado. Eu faço pausas a cada intervalo de tempo para ver se tem algo que precise de atenção no Glip, no e-mail, no zap. Eu interrompo as atividades para acessar o banco, dar uma olhada nas notícias e todas essas coisas que todos fazem, mas quando tenho um prazo para cumprir, o foco é necessário e eu viro mono tarefa.

O meu ponto é que a nossa atenção é limitada, e ao entrar nesse mundo conectado não somos multitarefa. Estamos trocando nossa presença física pela virtual. Não existe tecnologia boa ou ruim, existe a que é mal utilizada.

Alguém já disse que a Internet aproxima as pessoas que estão longe, e afasta as que estão perto.

Acho que isso também empobreceu a comunicação pessoal. É só ir a qualquer bar ou restaurante e observar quanto tempo os casais estão no celular ao invés de estarem um com o outro. Alguns conseguem dosar, outros não.

Mas é horrível quando alguém entra na sua sala para falar contigo, e você atende com um olho no peixe e outro no gato. Afinal, você é multitarefa! Mais honesto seria pedir que a pessoa volte em outro horário, onde você poderia lhe dar atenção plena. Às vezes peço para esperar um pouco enquanto termino algo, pois às vezes eu, miseravelmente, não estou ali. Não plenamente.

Eu certamente tenho algo a aprender com essa menina que foi demitida. Talvez por isso eu tenha lido o livro do Alex Castro, procurando dicas de como melhorar isso.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

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Ultimos comentários

Rafael Augusto

Muito bom...