O declínio da Abril e o dilema do inovador

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Nuno Figueiredo

21 de jan de 2019

· 9 min de leitura

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“Não existe mais nenhuma atividade humana em que se possa progredir sem um aprendizado permanente.” – Jô Soares.

Aumento de faturamento e do lucro são excelentes indicadores a respeito de como a empresa está indo, mas eles também podem retratar a situação presente e gerar a ilusão de que está tudo bem. Na maioria das vezes está mesmo, mas as vezes o vento mudou e o seu barco pode estar em vias de estar à deriva.

Essa foi a mensagem que mais me impactou no último livro do Adriano Silva: “A República dos Editores – As histórias de uma década vertiginosa na Editora Abril”. No livro ele fala a respeito da sua carreira bem-sucedida na Editora Abril. Como pano de fundo ele nos brinda com a história dessa empresa que já foi um ícone, e se encontra agora em recuperação judicial.

A editora tem duas fontes básicas de receita: as assinaturas das revistas e a publicidade. A primeira carrega junto um custo grande de impressão e distribuição, enquanto a publicidade não; nesta ponta, quanto mais melhor. Se dobrar a receita de publicidade o impacto no custo é marginal, e isso vitamina o lucro da empreitada.

A Abril não percebeu ou não analisou da forma correta o impacto que a Internet traria a seus negócios. Mais precisamente, não antecipou que a sua principal fonte de receitas iria migrar para o duopólio Google e Facebook.

Juntando a disrupção da nova economia com a entrada do Brasil numa das maiores crises de sua história, iniciou-se o declínio acentuado da Abril. O fato é que esta bilionária empresa é um símbolo que percorreu gerações, e talvez isso explique porque demorou tanto para entrar em recuperação judicial. O Adriano Silva descreve bem este contexto no parágrafo abaixo.

“De uma crise conjuntural é mais simples se recuperar – às vezes, na velocidade do próximo ciclo econômico positivo. Diante de uma crise estrutural, a provação é muito maior. Não há volta possível ao mundo que havia antes porque as premissas que regiam aquela realidade não existem mais. É preciso redesenhar tudo. Reinventando o negócio de cima abaixo. Abandonar o passado como única forma de caminhar em direção ao futuro. A Abril enfrentou essas duas crises juntas – num cenário de “tempestade perfeita”, em que tudo dá errado ao mesmo tempo.”

O que chama a atenção é que essa “tempestade perfeita” da Abril ocorreu em 2013. O Facebook foi criado em 2004. O Google foi fundado no século passado, mais precisamente em 1998. Antecipar que o país vai entrar em crise é complicado, mas o que explica que a empresa não percebeu uma tendência que começou a mudar o mercado publicitário em 2010 e se tornou mais consistente em 2013? Uma pista está no resultado gerado pela empresa. Se você olhasse o balanço nos dois anos anteriores ao início da crise, parecia que a empresa surfava a sua melhor onda. A Abril teve os dois melhores anos de toda a sua incrível história sucedidos pela tempestade perfeita que ocorreu em 2013.

Nesse ano o Brasil virou o pino e iniciou uma das maiores crises, cujos reflexos ainda estão presentes até hoje. Para a Abril, além da migração maciça da verba de publicidade para o Google e o Facebook, e como desgraça pouca é bobagem, nesse ano morreu o Roberto Civita, filho do fundador e presidente do conselho de Administração. Ele faleceu em maio de 2013.

Segundo a Wikipedia, em março de 2013, a revista americana Forbes colocou Roberto Civita como o 258º homem mais rico do mundo, com uma fortuna de US$ 4,9 bilhões. O Stephen Kanitz, que já trabalhou na Veja, acredita que a decadência da Abril é mais um caso de uma empresa familiar que não conseguiu fazer a transição para uma empresa profissional. Você pode ler a opinião dele neste link. Ainda sobre como gerenciar empresas familiares e planejar a sua continuidade, recomendo a leitura deste post da Glic fàs.

Há muitas versões para o fato da Abril não ter reagido de forma consistente às mudanças estruturais de seu mercado. No livro, o Adriano Silva dá uma série de pistas de como o negócio da editora poderia ter se reinventado. Um fator parece ter contribuído muito para isso: o dogma interno de que a Abril é uma editora que prima pela publicação de revistas.

E a revista impressa é algo que tende a acabar, assim como o livro impresso. Talvez sobre algum nicho pequeno. Ainda existem empresas que vendem carroças, mas isso hoje é uma atividade artesanal.

Outro ponto marcante na República dos Editores é a respeito dos investimentos que deram errado, quando a editora Abril tentou diversificar em novas frentes e se deu mal. O ponto alto é quando eles dobraram a aposta. Tá indo mal, vamos investir mais que vira.

Isso não é tão raro quanto parece. Alguns especialistas em bolsa de valores sugerem que você faça um preço médio das ações que você compra. Comprando em datas diferentes, pega cotações diferentes e na média anula variações mais contundentes do pregão.

Isto mal aplicado faz com que se dobre a aposta. Funciona mais ou menos assim: a ação X tem um histórico de valer em torno de R$ 10,00 (dez reais). A ação caiu para R$ 9,00, seu menor valor histórico, e você entrou babando e comprou. Em vez de voltar ao patamar normal, a ação cai ainda mais e chega a R$ 6,00 (seis reais). Alguns caem fora, alguns dobram a aposta, e entram comprando novamente. Se a ação não se recupera você fica com o mico na mão. Fale com qualquer investidor que tinha ações da OGX do Eike Batista, e você terá um exemplo de ação que virou mico. Isso não ocorreu do dia para a noite e muita gente dobrou a aposta e consequentemente o prejuízo, apostando numa recuperação que nunca ocorreu.

Há alguns dias, o Valor publicou uma reportagem contando que a BRF, após 10 anos de investimentos, resolveu vender seus negócios na Argentina. O prejuízo direto foi de R$ 1,2 bilhão. Este montante é basicamente a diferença entre o preço pago pelas empresas adquiridas nas terras portenhas contra o valor pelo qual elas foram vendidas. Essa história você pode ler aqui. Diferente do caso da Abril, a operação da BRF na Argentina sempre foi deficitária. As aquisições não geravam os resultados esperados e o que eles fizeram? Dobraram a aposta e compraram mais empresas.

Ou seja, você pode não notar que seu negócio está para azedar ou você pode se agarrar de uma forma tal a uma nova iniciativa e ficar cego para a realidade. A BRF demorou 10 longos anos para tomar a decisão de desistir do mercado Argentino, amargando sucessivos prejuízos ano após ano.

Voltando à editora Abril, fica uma preocupação básica que todo gestor deveria ter hoje em dia: de que forma a transformação digital vai afetar o meu negócio? Veículos autônomos, IOT, Inteligência Artificial, entre outras tecnologias, vão tornar um monte de coisas obsoletas. É fácil olhar para trás e ver que é óbvio que negócios como o das locadoras (Blockbuster) e da fotografia impressa (Kodak) iriam sucumbir. Difícil é ver isso a tempo, e mais difícil ainda é definir uma estratégia eficaz de como sobreviver a isso.

O auge seguido da queda da Abril me lembrou a melhora da morte. É um fenômeno que ocorre com pacientes terminais. A véspera do falecimento é precedida por uma melhora incompreensível que gera uma esperança que não se sustenta. É como a chama de uma vela que emite seu brilho mais intenso instantes antes de se apagar. No caso da Abril seus dois melhores anos indicavam um futuro promissor e esconderam as nuvens negras que pintavam no horizonte.

Entender para onde o mercado em que atuamos está indo é complexo. Olhando para os casos passados, vemos que houveram várias pistas e fatos que não foram corretamente avaliados, percebidos ou simplesmente não receberam nenhuma atenção. É difícil enxergar algo que não está no nosso radar. Algo que eu aprendi nas aulas de planejamento estratégico: Se você não exercita com alguma frequência as diversas possibilidades de cenários futuros, é mais difícil captar as mudanças a tempo de reagir adequadamente.

Antes de tudo desmoronar, chega o momento em que você percebe que a coisa vai se complicar. Na falta de uma estratégia melhor, me parece que dobrar a aposta talvez seja a mais temerária opção. Nas palavras do Adriano Silva, a melhor síntese para esta situação (a frase abaixo é brilhante!).

“Outra questão fundamental, e de difícil resposta, para o líder. Você sabe que a vaca está indo para o brejo, mas quando exatamente parar de ordenhá-la, já que é dela que vem a comida que você bota todo o dia na mesa? Ela está com os dias contados, mas como parar de cuidar dela? (Especialmente quando a ordenha é tudo que você conhece, e foi desse jeito que você conquistou tudo nessa vida?) Eis o famigerado “dilema do inovador”, que tantas ondas de angústia já espalhou pelo planeta.

Você olha para o horizonte e vê o céu virar. Mas a tempestade ainda está longe. Você continua trabalhando, fazendo o que vinha fazendo, o que tem de fazer, o que sabe fazer”.

E este é o tema que merece a maior reflexão. Inovar não é mais preciso, é necessário e essencial para que o negócio tenha um amanhã. A impressão mais forte que o Adriano me passou nesse livro é que se não estamos vivendo o “dilema do inovador”, é porque ainda não entendemos corretamente o tamanho do problema que se avizinha.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

Foto: Artverau

 

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Ultimos comentários

Fernando Pituta

Excelente artigo e reflexão. Fazendo uma analogia com o futebol: "Time que esta ganhando, não se mexe". Acontece que os outros times vão estudando, inovando, até aprender a ganhar do time vencedor. Nunca o termo "inovação" esteve em tamanha evidência e importância tanto para os negócios, quanto no cotidiano de cada um.