Torne-se Inútil II

Foto do autor do post Nuno Figueiredo

por

Nuno Figueiredo

14 de jan de 2019

· 5 min de leitura

· 5 min de leitura

Inútil
Foto do post Torne-se Inútil II

"Quem trabalha muito não tem tempo de ganhar dinheiro". Será? Ouvi este comentário de um amigo a respeito da News "Torne-se Inútil". A interpretação dele foi que tornar-se inútil é ganhar tempo, que por sua vez, permite que se ganhe mais dinheiro. Na verdade permite que se fique mais atento e se possa perceber as oportunidades e agarrá-las a tempo. A velocidade faz diferença, porque algo muito interessante não fica disponível por muito tempo.

É uma análise interessante. Não sei se foi esta a conclusão que eu pretendia, mas como conceito genérico, "tornar-se inútil", permite muitos e diferentes caminhos. Neste caso, mirei num local e talvez tenha acertado em outro. Tenho recebido muitos feedbacks a respeito e eles me abrem horizontes e permitem expandir o tema. Agradeço as contribuições recebidas e em homenagem a esta, vou expandir um pouco o assunto.

Ao longo da nossa carreira, nós passamos por fases. Notadamente o início é marcado por muito processamento. Não temos muito conhecimento e experiência, logo, nossa maior arma é a energia, a vontade de fazer, a disposição, o tempo e a necessidade de ganhar conhecimentos. É a época de ser mais operacional, carregar o piano, ir a campo e ficar no front, na linha de frente, sendo pau para toda a obra. Errando muito e aprendendo sempre.

É também a época de menor sucesso financeiro. Muito trabalho e pouco dinheiro, uma dupla e tanto. Neste caso, o ditado acima faz todo o sentido do mundo. Mas existe toda uma vida pela frente e existe (ou deveria existir) aquela gana e a vontade de arrebentar, de conquistar a Europa, a Oceania e um terceiro continente a sua escolha, como no velho e excelente tabuleiro de WAR.

A Signa contrata muitos recursos novos e é bacana trabalhar com eles. Você sente essa energia contaminando o ambiente. Muita adrenalina e hormônios em ebulição que ajudam a sacudir as idéias. Quando vejo alguém novo, no inicio da carreira, sem gás, das duas uma: ou não gosta do que faz e está iniciando na profissão errada ou é alguém que talvez não mereça muita atenção e investimento. Se nesta época a sua prioridade zero for a grana, por incrível que pareça, isto fará com que a mesma fique cada vez mais distante e indiferente. Alguém novo, preocupado com qualidade de vida, faz tanto sentido para mim, quanto uma criança de 5 anos preocupada com a aposentadoria. Não dá.

Não bastam projetos e idéias, tem que haver a execução e aqui estamos falando de arregaçar as mangas, e fazer acontecer. Qualquer obra é feita de 5% de inspiração e de 95% de transpiração, ou seja, precisa ralar e muito. Ao progredir na carreira a gente ganha habilidades, experiência e pela maior expertise ganhamos mais; logo, nos tornamos mais caros para a empresa. Temos mais responsabilidades, pessoas para gerir, clientes para atender e encantar, e lógico: menos tempo. Nós ainda sabemos processar, mas isto é insensato. Temos que delegar, somos caros demais para fazer o processamento que pode e deve ser feito por alguém que está na etapa anterior.

Isto é verdade para um gerente, para um diretor e para o dono da empresa. Eu brinco com o meu sócio dizendo que vou aplicar um redutor salarial no pagamento dele sempre que o flagro fazendo algo que uma assistente administrativa faria, com o mesmíssimo resultado. Não se trata de arrogância ou de ser mais ou menos importante, e sim de pura matemática financeira. Um diretor pode fazer a tarefa de um assistente, mas ele tem tarefas na sua fila, que somente ele pode executar e que nenhum assistente pode assumir. Quando um recurso caro (homem ou máquina) é usado para fazer a tarefa que poderia ser realizada por um recurso mais barato, temos o desperdício. Desperdício de tempo, de talento e de dinheiro. É usar um canhão para matar um mosquito.

Tornar-se inútil é amadurecer e perceber as tarefas que não podemos mais continuar fazendo; mesmo aquelas que gostamos e que nos dão prazer. Se isto te faz falta, faça isso como hobby, mas é necessário seguir em frente, inutilizando conhecimentos e técnicas já desnecessárias e dar foco em outras mais compatíveis com nossa nova realidade.

Quer um exemplo? Eu, hoje, sou um programador obsoleto. Há alguns anos não programo mais, não produzo mais código. Direcionei o meu tempo e o meu foco a conhecer mais o negócio e o mercado onde a Signa atua. Fiz cursos, especializações em Logística Empresarial e internacional. Segui em frente. Não sou mais capaz de assumir tarefas técnicas e aprendi a conviver com isso. Hoje eu aprendo programação com pessoas que eu ensinei a programar. No melhor estilo do mestre que aprende com o aluno.

Todos os empresários de sucesso que eu conheci, pessoalmente ou pela leitura da sua autobiografia, tem uma história de muito trabalho e dedicação que sedimentaram a sua trajetória. Se você conhece alguém bem sucedido, que hoje pega mais leve no batente, não se engane, ele não foi sempre assim, ele ralou muito, progrediu e tornou-se inútil.

Acho que a verdade por trás do ditado "quem trabalha muito não tem tempo de ganhar dinheiro" não é o fato dessa frase ser uma apologia ao ócio. Ela significa, em sua essência, que você não pode processar, processar e processar por anos a fio, sem evoluir, como o cavalo da "Revolução dos Bichos", de George Orwell, que tinha o seu inconfundível lema "Trabalharei mais ainda".

 

Nuno Figueiredo

Diretor Comercial
Signa Consultoria e Sistemas

Foto: Anna Samoylova

 

0

Ultimos comentários

Roberto David

Gostei muito da abordagem, sintoniza com exemplos de uma clareza e objetividade que torna fácil você querer ser inútil. Sempre trabalhei procurando ser inútil ao longo do tempo e a tornar as pessoas inúteis numa escalada de ascensão profissional e pessoal, sempre associei as duas escaladas. Nem sempre, fui bem interpretado, por alguns, só tempos depois de terem trabalhado comigo. Costumo dizer as pessoas que sou um eterno provocador e eterno estudante das pessoas. Em algum momento formulei a um funcionário, que tinha iniciado comigo no seu primeiro emprego formal aos 19 anos, após 05 anos de trabalho a seguinte pergunta: "O que você aprendeu comigo ao longo desses anos? depois de um longo silêncio, resolvi esperar mais um pouco e após mais um ano de trabalho, voltei a perguntar novamente, paciência eu tenho para esperar, e após um novo período de silêncio, com ajuda de umas cutucadas minhas para ele perceber que já tinha o que dizer, recebi a seguinte resposta: "Aprendi a ser mais objetivo, aprendi a ser mais focado, aprendi a ser mais responsável". Ao que fiz o seguinte comentário a ele: "Não será mais importante ter desenvolvido estas características pessoais, do que ter aprendido uma nova planilha de excell, o manejo de um novo soft e outras rotinas" A proposito, hoje concluiu um curso de contabilidade, arranjei um novo emprego para ele e não espero tapinhas nas costas, apenas fico feliz em ver as pessoas progredirem. Hoje estou num novo desafio, mostrar a pessoas inteligentes que poderão ficar mais inteligentes, mais talentosas e obter novas vocações, sim novas habilidades, aliado ao gosto pelos livros. Quem sabe um dia não estarei batendo um papo com sua equipe.