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O transporte é baseado num ator principal, que nem sempre é lembrado à altura de sua importância. Achei muito interessante o artigo abaixo, que me foi enviado pelo meu amigo Fleming. Não concordo necessariamente com todo o texto, mas achei que as reflexões (ou provocações) do mesmo são muito oportunas e por isso, com os meus agradecimentos pela generosa contribuição, resolvi compartilhar com os que nos acompanham em nossas pensatas.
Nuno Figueiredo
Diretor Comercial
Signa Consultoria e Sistemas
A imagem que se tem de um caminhoneiro é a de uma pessoa que gosta de liberdade, de conhecer lugares novos e viver sem rumo. Estranho, mas não é esta a imagem que tenho deste profissional.
Ser um caminhoneiro é gostar de adrenalina, é gostar de interagir com a máquina de forma tão intensa e dinâmica que você faz parte dela, os seus sentidos são explorados no limite, o seu ouvido tem que estar atento ao menor estampido pois isso pode significar um pneu estourando, mas o ruído do motor e dos pneus no asfalto abafam tudo e você então constrói filtros para cada tipo de evento. O ruído do giro do motor torna-se uma constante, de tal forma que você sabe a rotação e a velocidade que está sendo aplicada a cada momento. Isso sem contar o raciocínio para saber qual das 12 ou 16 marchas deve ser utilizada no momento exato para que se tire o melhor desempenho do caminhão naquele instante. As vibrações nos informam o limite que a estrutura pode suportar, pois são 16, 35, 57 ou até 75 toneladas de peso bruto se deslocando a uma velocidade de até 100km/h (isso era impensável há poucos anos atrás), num arranjo de até 25 metros de comprimento por 4 metros de altura.
Isso requer um conhecimento associado da física e da mecânica que é adquirido com muita experiência e pouca literatura. É um prazer nato daqueles que se dispõem a passar a vida ou parte dela dirigindo. E quando possível, ele encontra tempo para apreciar a bela natureza, não sem antes memorizar cada curva, descida e subida e principalmente, cada quebra-mola (criminoso) da estrada.
Este ser estigmatizado como sendo um “bronco”, “ignorante”, “anti-social”, de fato tem um pouco de cada perfil, mas não sem motivos. A sua rotina é rodar (dirigir) de 10 a 20 horas por dia quando está carregado, pois hoje estabeleceu-se (não sei como, mas estes padrões são construídos no boca-a-boca e acabam por ser tornar regra) que um caminhão tem que percorrer de 700 a 1.000 km por dia. Ora, para tal, este é um período de pouca conversa e muita concentração, pois trafegar com um conjunto de 20 metros de comprimento e 2,6m de largura numa pista de 3 metros, requer muita atenção com o veículo que vem em sentido contrário ou com o acostamento (quando existe), pois um vacilo e pronto, a morte é certa.
Mas e quando ele está vazio? Se não tem um carregamento programado e está se deslocando para lá, ele geralmente fica num posto de abastecimento aguardando uma oferta de carregamento e este é o local escolhido por oferecer uma infraestrutura básica de higiene e alimentação. Digo básica porque não há privacidade. O banheiro é comum e frequentado por dezenas de pessoas simultaneamente. Por conseguinte, a higiene é precária. Já a alimentação é boa, mas nem sempre o preço permite extravagâncias.
Esta é uma rotina que dura de 2 semanas a 4 meses, sem finais de semana, por jornada para um período de uma semana a quinze dias de descanso. E quando eles estão em casa querem curtir a casa a mulher e a família, até por isso alguns acabam tendo mais de uma.
Mas gostaria de tentar descrever como os categorizo. A primeira categoria vou denominar caminhoneiro-assalariado. Este profissional é empregado de uma empresa de transporte de carga (ETC), organizada administrativamente e geralmente de médio/grande porte (>50 ou >500 caminhões). Este profissional geralmente cumpre jornadas de trabalho regular, com rotas de ida e vinda bem definidas, tem um salário base e carteira assinada, além de alguns benefícios como comissão sobre frete e vale alimentação, dentre outros possíveis.
A segunda categoria é a do caminhoneiro-empregado. Este também é contratado, mas a sua relação trabalhista é totalmente irregular, a começar que o patrão não informa na CTPS o valor real acordado da remuneração, ele não goza de nenhum benefício senão de um percentual sobre o faturamento líquido dos fretes (e aí começam os problemas), não tem uma rota regular e sim uma região de atuação, e são os responsáveis pela contratação dos fretes que irão transportar. Esta categoria de caminhoneiro é estigmatizada por ser desleal com o seu patrão (existe aí uma inversão de papéis e responsabilidade), e são talvez os que mais trabalham, pois estão sempre correndo para atender a um faturamento que cubra os custos do transporte mais a prestação (ou consórcio) do caminhão, a remuneração do patrão e a sua. E invariavelmente estes números não fecham, daí a desconfiança ser a tônica das relações que ele tem com o meio, o que leva este caminhoneiro ter ações e reações pouco sociáveis.
A terceira categoria é a do caminhoneiro-autônomo, que tem um perfil híbrido, ora tem comportamentos de um caminhoneiro-assalariado ora de caminhoneiro-empregado, dependendo do interlocutor. Ele é o que sofre as consequências nocivas advindas das ações das outras categorias, pois apesar de ser um empreendedor, não conta com as vantagens administrativas e financeiras de uma empresa seja para contratação de frete, seja para administrar suas contas pessoais, e sofre com as relações conflituosas geradas pelos caminhoneiros-empregados, que aviltam o frete ou deterioram as relações comerciais em busca de cumprimentos de metas, de proprietários de pequenas frotas (2 a 15 caminhões), que têm no transporte rodoviário de carga uma oportunidade de ganho sem compromisso com o mercado que exploram (não cabe aqui nenhuma generalização, mas sim uma predominância deste tipo de ETC).
Esta é uma visão bem generalista e sintética dos tipos de caminhoneiros que circulam pelas estradas brasileira. Outros tipos de classificação podem ser extraídas tendo-se como referencia a região de atuação e/ou de origem (residência), a idade, o tipo de frete contratado, etc..., mas uma coisa é certa, qualquer envolvimento a ser desenvolvido com este profissional terá que levar em consideração a relação de confiança que deverá ser construída em cima de bases muito instáveis.
Marcos Fleming
Especialista em Transporte Rodoviário de Carga
Nota da Signa:
A oportunidade de trazer convidados para escrever neste espaço não significa que a opinião externada seja a opinião da Signa, mas sim que, ao darmos voz a um expoente deste mercado para nos brindar com um pouco de seu conhecimento, nos permitir conhecer os assuntos por vários ângulos.
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