Não Conspire Contra Si Mesmo

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Nuno Figueiredo

05 de fev de 2019

· 7 min de leitura

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maus hábitos
O informante
George Alan
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Um conselho que escuto semanalmente do meu coach, George Alan, é para eu não conspirar contra mim mesmo. Segundo ele, a gente consegue levantar defesas contra os ataques e agressões de terceiros, mas quando a gente resolve jogar contra o próprio patrimônio, aí a desgraça está feita.

Como o George é natural de Nova Iorque-EUA, na verdade ele fala em inglês, e a mensagem, nas palavras dele são mais enfáticas:

“Don’t f*** yourself”

Quando eu disse que iria fazer uma placa para colocar na parede em frente à minha mesa, um amigo aconselhou a não escrever isso – Não vai pegar bem! Eu disse ok, então vou usar outra frase que na síntese, quer dizer a mesma coisa, nas palavras de Richard Feynman:

“The first principle is that you must not fool yourself - and you are the easiest person to fool”

Numa tradução livre ele está dizendo “O primeiro princípio é que você não deve se enganar - e você é a pessoa mais fácil de enganar”, ou seja, quando você resolver se auto prejudicar, não há barreiras contra si mesmo.

Esta reflexão me veio quando recebi a ligação de um amigo muito próximo, que tem 50 anos. Ele me contou que descobriu um câncer no esôfago. Como ele não tem o hábito de tomar chimarrão, a hipótese mais provável da origem deste mal está no fato dele ser um fumante inveterado.

No excelente filme “O informante”, Russell Crowe interpreta o cientista Jeffrey Wigand, ex-pesquisador de uma grande empresa de tabaco do EUA. Ele é convencido a dar uma entrevista ao famoso programa 60 minutes e revelar a verdade sobre a manipulação de nicotina nos cigarros fabricado pela indústria de fumo, que de forma consciente não hesita em acrescentar carcinógenos em seus produtos para aumentar a dependência. O filme é infelizmente baseado em fatos reais. É um belo filme, eu recomendo.

O ponto é que hoje somente os índios nunca contatados pela civilização desconhecem os males do cigarro. Eu perdi um tio muito querido vítima de um câncer fulminante na garganta. Ele era um fumante inveterado. Perdi em 2013 meu pai, vítima de um enfisema pulmonar, que foi progredindo lentamente ao longo de mais de 20 anos.

Assisti de perto a progressiva perda da qualidade de vida e as restrições impostas por esta trágica doença, que é também uma sentença de morte. Não há cura para o enfisema. O ponto aqui não é que se vai morrer. Todos nós morreremos um dia, esta é uma das únicas certezas na vida. O problema está na vida que teremos até lá e, principalmente, como serão os nossos últimos dias. Para mim os últimos 30 dias onde acompanhei de perto o meu pai no hospital, dormindo lá quase todas as noites, foi um filme de terror que eu não desejo ao meu pior inimigo. O meu pai era um fumante inveterado.

Hoje, uma das coisas pelas quais eu rezo é para na hora de partir, ir à vista e não a prazo. Para minha infelicidade meu filho mais novo se tornou fumante e não há argumento ou fato que seja bom o suficiente para demovê-lo de ter esse hábito tão nocivo.

Por que fazemos isso, mesmo sabendo que isso nos faz mal, nos mata? A resposta é simples: nós resolvemos conspirar contra nós mesmos.

Isso é possível de ocorrer com maus hábitos, hobbies e esportes que resolvemos praticar. São escolhas. Você pode almejar chegar ao topo do Everest, só tenha em mente que a maioria dos que tentam não vive para contar a façanha e ainda vários dos que tentaram sofreram amputações de membros congelados. O neozelandês Mark Inglis foi o primeiro deficiente a escalar o Everest. Sabe como ele se tornou deficiente? Ele teve as duas pernas amputadas acima dos joelhos fruto de uma escalada malsucedida no Monte Cook. Mesmo com esse revés, ele não desistiu.

É incrível a capacidade que nós temos de nos movermos conscientemente em direção ao abismo. Sabemos que há riscos severos e alguns não seguem, outros ignoram e seguem em frente, conspirando contra si mesmos.

Por exemplo, quando eu vejo estatísticas de acidentes de moto me pergunto como alguém tem coragem de subir numa. Eu gostaria de saber dirigir uma, deve ser muito legal. Já falamos a respeito no post “A moto”. A verdade que alguns gostam de ignorar é que não há um motociclista que não tenha pelo menos uma ou duas histórias de acidente para contar.

Acidentes também ocorrem com carros, eu sei, mas numa moto você está muito mais exposto. A chance de se machucar ou vir a óbito num acidente são muito altas para mim e isto é algo que eu não pretendo fazer e é algo que eu também rezo para nenhum de meus filhos o faça.

Outro fato é que pode ser que você não morra, mas fique aleijado num acidente. O Jô Soares teve dois acidentes sérios. No primeiro fraturou o ombro esquerdo. Mal se recuperou e pegou de novo a estrada. No segundo acidente, além de fraturar o ombro direito, voltou a fraturar o esquerdo. Nas palavras do ex-motociclista Jô Soares:

“Perdi a capacidade de elevar muito o braço esquerdo – embora tenha conservado o movimento das mãos, o que passou a ser visível na televisão. Apesar disso, considero-me um afortunado, pois as consequências do acidente poderiam ter sido bem piores. As estatísticas de morte de motociclistas no Brasil estão na escala do horror.”

Como o próprio Jô reconhece, a moto é sexy, passa um sabor inigualável de liberdade e aventura, é maravilhoso sentir o vento na cara e somente depois de duas experiências bem ruins é que ele conclui que não vale a pena. São escolhas. Tenho certeza que nenhum motociclista vai desistir da moto por ler as palavras do Jô, assim como o meu filho não liga para as minhas ressalvas ao cigarro.

Alguns hábitos são agradáveis desde que feitos em doses controladas. O consumo de álcool é um bom exemplo. Pode ser algo muito agradável para passar um tempo com os amigos, assim como pode virar uma doença onde o sujeito se destrói e leva junto a família.

Eu adoro tomar vinho. Tenho uma confraria de amigos que se reúne para algumas degustações. Em determinado momento parei de ir de carro e comecei a usar o Uber para voltar para casa. Dirigir após algum consumo é um erro que já cometi várias vezes e que hoje evito cometer. Tem gente que faz isso com alguma rotina. É o caso de se ter mais sorte do que juízo.

Há consequências mais ou menos severas que decorrem dessas escolhas malfeitas. Há casos onde podemos mudar o rumo e parar a auto conspiração. Infelizmente há casos onde não há como remediar. O George ensina que você pode gostar de surfar e há vários locais incríveis para fazê-lo. Quando você escolhe surfar numa praia conhecida pelo histórico de surfistas serem atacados por tubarões, bom aí você não pode reclamar da sorte. Nesse caso, nas palavras do George:

“In life there are no victims, only volunteers” – Na vida não há vítimas, apenas voluntários.

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

Foto: Pxhere

 

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Ultimos comentários

Dercioli Santos

Parabens pelo POST e sinceramente, espero que consiga fazer seu filho parar de fumar...

Denise Tucciarelli

Excelente texto! Serve de reflexão para muitas das coisas que fazemos no nosso dia a dia. Boa sorte com seu filho. Eu não tive essa sorte com o meu, ainda!

Reinaldo Cruz

Parabens pelo belo texto. Inspirador.....

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