A unanimidade continua burra

Imagine se o mundo só tivesse uma cor, um único sabor, somente uma nota musical, um único estilo. Chato pacas né?

Caminhamos a passos largos para mais polarização, aqui e lá fora, como se o pensamento único fosse bom, e se a unanimidade fosse uma benção.

O efeito bolha contribui para isso. Pertencer a comunidades virtuais, fóruns e grupos onde “a gente se entende” fortalece a posição. Nós somos os esclarecidos, bem informados, e com bom senso. O mundo seria perfeito se não fossem os outros.

Só não vê quem não quer!

Esse é o lema que simplifica quão perfeita é a minha visão, a minha ideologia, o meu time. Se o problema são os outros, esqueceram de combinar com os russos.

A dificuldade de lidar com isso é patente. Os posts políticos cada vez mais agressivos. Não raro, apelidam as vozes dissonantes de burras, antas, imbecis, entre outros adjetivos carinhosos.

Já abordamos a respeito: O teu post te condena.

Tem agora uma proposta do presidente do Athletico Paranaense para que exista a torcida única em todos os estádios do país. Vou focar no futebol, porque é menos perigoso do que entrar na seara política. Sabe como é, ano eleitoral.

Nada promove mais a intolerância do que a falta de convivência com o adversário. Adversário não é inimigo. Parece bobo isso, afinal é um jogo, mas isso diz muito da sociedade em que vivemos. Torcedores de times diferentes não podem conviver no mesmo espaço físico por duas horas!

Em São Paulo, há muitos anos, por ordem e preguiça do ministério público, existe a torcida única nos clássicos. Um absurdo que é bem visto em nome da segurança. Ao não disciplinarmos os vândalos, não prendermos os bandidos uniformizados, colaboramos para que as pessoas não saibam viver com civilidade perto de alguém que pensa ou torce de forma diferente.

Como tenho muitos contatos de palmeirenses, e participo de alguns grupos temáticos, recebo muito conteúdo dessa bolha. Tem de tudo, incluindo, infelizmente, o ódio ao adversário.

Tem Post querendo que os caras morram. Eu não conheço uma família que só tenha torcedores de um único time. Não é possível que não pensem que desejar a morte do torcedor do time X, pode ser desejar a morte de um parente ou amigo próximo. Não faz nenhum sentido.

Já me chamaram de incompetente por ter um filho que torce para o São Paulo. Bom, lendo a biografia do Casagrande, ídolo Corinthiano, descobri que os filhos dele torcem para o Palmeiras, Santos e São Paulo. Nenhum torce para o time que o consagrou. E segue a vida, isso não mata ninguém.

Não dá para entender porque é possível um maracanã lotado num FLA x FLU, e aqui em SP não podemos ter um Palmeiras x Corinthians com as duas torcidas presentes. Serão os Paulistas mais beligerantes?

Não me parece ser à toa que caminhamos para mais uma eleição polarizada, isso não é fortuito. É mais fácil engajar os fanáticos contra o Corinthians do que contra o Bragantino. Ter um inimigo forte fortalece a minha posição e vice versa.

Assim temos facções unanimes. E isso está longe de ser algo recomendável.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

Foto: Freepik

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