A competência a ser dominada

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Nuno Figueiredo

19 de nov de 2019

· 11 min de leitura

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Refletindo a respeito de todos os eventos e cursos que fiz neste ano, pensei qual foi o maior insight, a melhor dica, o ponto onde devo prestar mais atenção.

E não é o Long Life Learning, o aprendizado contínuo e permanente. Este é sim uma necessidade, mas é também um meio e não o fim em si mesmo.

Num mundo em Transformação Digital, crescimento exponencial, VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity, Ambiguity), entre outros, qual o fator mais relevante e que merece atenção imediata?

Para mim é a Autonomia. Nunca ela foi tão necessária e tão requisitada.

Autonomia ou morte?

Claro que depende do seu papel. Se você é um líder precisa pregar e praticar a disseminação da autonomia. Se você é um executivo precisa criar um ambiente propício para que a autonomia floresça. Desde criar as condições necessárias, até cobrar e premiar pelo grau de autonomia que os departamentos e pessoas conseguem atingir.

Se você faz parte do time, a sua maior e melhor contribuição será desenvolver a autonomia. Não se trata de não jogar com o time, de ser individualista, mas sim de zelar pela sua melhor contribuição, carregar a sua parte do piano, e dividir de forma justa e equânime a carga. Não ser mais um no time, assumir o protagonismo.

Em primeiro lugar, por que a Autonomia?

Há um monte de competências desejáveis: Disciplina, resiliência, autoconhecimento, aprendizagem contínua, espírito de equipe, a lista é longa. Por que eleger a autonomia como foco?

Bom, ninguém tem mais tempo para nada. Vivemos atolados de prioridades. Já é uma arte fazer o dia caber no dia, e não sair empreendendo jornadas cada vez mais longas para dar conta do básico. O que dizer do tempo para aprender, estudar, e tentar coisas novas? Parece insano você cobrar algo a mais de um gestor que está se afogando no dia a dia.

Um fator crítico para ter mais tempo é usar o tempo que temos de forma sábia. Um gestor tem que, antes de mais nada, garantir que o time esteja sincronizado, produzindo, priorizando o que importa para o cliente, para o negócio, para o acionista, e para a empresa.

E gerenciar pessoas toma muito tempo. Não é simples. Não se trata simplesmente de delegar.

Como bem disse um conhecido, há uma grande diferença entre delegar e “delargar”. É preciso cobrar, acompanhar, medir o resultado, intervir quando necessário. Certo?

Não, errado. Nada mais errado do que isto. Este é o ponto. Já foi assim, não dá mais para continuar sendo. O mundo mudou, acelerou e temos que acompanhar a valsa.

Temos que aprender a delegar com responsabilidade. Temos que ensinar a autonomia. Temos que estabelecer as fronteiras e o grau de liberdade desejado e necessário.

E não me interprete mal, eu não estou falando de algo que eu já faço. Estou falando de algo que eu tenho que começar a fazer. Estou no primeiro passo da jornada que é o diagnóstico da situação, a partir do qual se traça um plano e objetivos a serem atingidos.

Não estou, portanto, me vangloriando de algo que já fiz. Não irei te passar uma receita de melhores práticas para chegar lá. Estou dividindo uma angústia e fazendo um manifesto em prol de uma mudança. Um caminho a ser percorrido.

Aliás, está aberto o canal para trocarmos experiências. Se você já está nessa pegada me deixe saber o que foi feito, o que deu certo e o que não deve ser feito.

Não dá mais para ficar de babá de gestores que por sua vez irão replicar o modelo sendo babás de seus comandados, numa estrutura hierárquica vertical. E eis os motivos básicos: isso toma muito tempo. Isso induz as pessoas a não darem o melhor de si, porque alguém irá fazer uma revisão, ajustar o rumo, acertar as arestas e redirecionar o caminho sempre que necessário.

Recursos que precisam de feedback diário e contínuo se portam como crianças que precisam o tempo todo da mãe para cuidar, proteger e ensinar. Ninguém é criança numa empresa. Todos precisam crescer e exercer plenamente as suas potencialidades.

O gap da formação

Começando pelo início, o nosso sistema educacional não prima por despertar em nós competências que hoje são essenciais como criatividade e autonomia.

É só lembrar do tempo da escola. Há um professor e um monte de alunos. Para que a coisa ande todos tem que estar em sintonia. O professor fala e os alunos escutam. Tem hora para prestar atenção, tem hora para fazer o exercício e tem a hora do recreio.

Regras e procedimentos necessários para que a coisa flua. O efeito colateral é que muito poucos aprendem a estudar sozinhos, sem alguém demandar. Um gap enorme para o atual desafio de Long Life Learning. Na escola, você conta pelos dedos quem pegou um livro para ler por livre e espontânea vontade. Já está ótimo se você ler o livro indicado, a maioria lê somente o resumo.

Não há estímulo para que você ande sozinho. Exceto na prova, o único momento em que é cada um por si. E esse é justamente o momento mais nervoso e odiado. Ninguém gosta de provas, assim como raramente alguém gosta de remédio.

Esse gap nos persegue vida afora. Você começa a trabalhar e é treinado em algo, aprende a fazer bem as suas tarefas com alguma supervisão, e bem cedo, você aprende que tem um troço chamado hierarquia. Você recebe tarefas e presta conta delas. Você se acostuma a pedir a benção sempre que precisa fazer algo que foge um pouco do padrão. Não há autonomia para tomar decisões. Não há autonomia para correr atrás de novos conhecimentos.

E você não está sozinho. Um bom gestor é antes de tudo alguém versado nas tarefas que são desempenhadas pelos seus subordinados. E é alguém experiente. É alguém que está ali para dar as respostas para as dúvidas de seus liderados.

E essa sina é recorrente. Você dá conta de 80, 90% de seu trabalho e separa de 10 a 20% de seu trabalho para ajustar o rumo com o seu superior. Ou você separa o mesmo tempo para se reunir com seus liderados e ver como estão as coisas, e é claro, você não vai simplesmente escutar, vai aproveitar e opinar, sugerir, recomendar ou simplesmente mandar mudar algo aqui e ali. Num ciclo em loop, onde cada iteração reforça o comportamento de revisar e ser revisado.

Um mundo horizontal

A primeira má notícia é reconhecer que o mundo vertical é coisa do século XX. É coisa do passado. Isso vem de um tempo onde as organizações tinham vários níveis hierárquicos, e uma grande distância entre o topo e a base das organizações.

Esse é um tempo de manda quem pode, obedece quem tem juízo. Você pode até achar que eram bons tempos, mas não pode mais ser feito assim.

Hoje o mundo é mais horizontal, há menos degraus e há a necessidade de que cada célula, e cada membro da organização, tome decisões mais rápidas e assuma mais responsabilidades.

Num tempo de mudanças mais aceleradas, não dá mais para pedir a benção a cada dia, nem de ficar revisando o trabalho dos outros. Não porque isso seja impossível de fazer, afinal sempre foi feito, mas simplesmente porque isso fará você perder muito tempo e tornará toda a sua estrutura menos ágil. Não adianta falar de métodos ágeis de gestão e trabalhar de forma centralizadora e lerda.

Você constata que determinadas tarefas simplesmente não andam porque quem pegou para resolver esquece da mesma sempre que a bola não está mais com ele. É mais ou menos assim:

Não é mais problema meu, estou esperando alguém me retornar, me tirar uma dúvida, fazer algo. Não é comigo. Eu estou atolado de trabalho, estou estressado, moro longe, torço para o Corinthians, enfim um rol de problemas que justificam, mas não resolvem.

É tempo de ser autônomo, assumir que o problema é seu, não importa para quem foi passado, foi para ti que deram a responsabilidade, e você vai cuidar para que tudo ande, como se você fosse o dono da lojinha.

É do que se trata quando falamos de um mundo horizontal, não é desrespeitar alguma hierarquia, é cobrar qualquer um que não esteja colaborando ou que esteja empacando qualquer tarefa.

Saber correr riscos

É preciso saber correr mais riscos e incentivar os colaboradores a fazê-lo. Claro que isso tem que ser feito de forma pensada e planejada. Não é chegar segunda-feira no escritório e ligar o botão do dane-se: agora é cada um cuidando de si, e vamos embora, será um desastre certo.

A autonomia pressupõe liberdade com responsabilidade. Simples assim.

A tarefa é estabelecer os limites de cada atuação, para que cada colaborador possa exercer a sua autonomia sem comprometer processos e procedimentos que foram criados para dar segurança e estabilidade à organização.

É permitir de forma controlada que esses mesmos processos e procedimentos possam ser flexibilizados, repensados, alterados e em alguns casos extintos mesmo.

E incentivar a autonomia significa necessariamente correr mais riscos e aceitar alguns erros.

Aquela tarefa que você não passou um pente fino nunca vai ficar tão boa como se você tivesse feito uma revisão. E este é o ponto. É dizer para o colaborador o que é esperado da tarefa, os cuidados a serem tomados, alguns conselhos, e faça o seu melhor. Você será o auditor de seu próprio trabalho, sem revisão.

Claro que você pode depois olhar o resultado e dar um feedback do que foi bom, do que não está tão bom assim, e o que deveria ter sido diferente. A diferença é que este não é um feedback para mudar o trabalho atual, e sim para aprimorar os próximos. Isso é potencializar o senso de responsabilidade. Vai que é tua Taffarel, entre você e o gol não tem mais ninguém. Contamos e confiamos que você fará o seu melhor.

Autonomia não é para todos

Nem todos os membros da sua organização, de qualquer uma, estarão prontos para operar com autonomia. Isso é algo que terá que ser trabalhado diariamente.

Infelizmente não se aplicará a todos. Talvez alguns acabem saindo ou sejam demitidos porque não conseguem operar com altas doses de autonomia. Talvez isto seja algo a ser observado desde o momento da contratação, para se trazer perfis mais próximos do desejado, caso você decida focar nesta direção.

Reconheço que isto talvez não sirva para qualquer um, mas na teoria deveria servir. Ter mais autonomia significa alguém tomar mais decisões, ser mais livre para atuar e ser dono do seu dia. No final penso que isso é mais motivador do que estar sempre precisando pedir amém para qualquer pequena decisão.

A priori a carreira de um colaborador é, antes de tudo, responsabilidade do próprio. Não adianta achar que a culpa é do chefe ou da empresa. Pode ser que amanhã esse chefe não esteja mais lá, ou que essa empresa não exista mais, e aí como fica? Você pode, num belo dia, estar numa entrevista tendo que explicar porque parou no tempo, porque não se atualizou, porque não estudou, ou não porque não conhece este ou aquele assunto. Porque não tem um histórico de realizações.

Como ensina o Deltan Dallagnol:

“Chega de ser vítima. Passe a ser ator da sua própria história, tomar a responsabilidade em nossas mãos.”

Se você preferir a sabedoria Jedi, fique com as palavras do mestre Yoda:

“Do or do not. There is no try” (faça ou não faça. Não há tentar).

Está na moda dizer que o colaborador precisa comprar o propósito da empresa para se engajar. Não discordo, mas vamos voltar no problema do Tostines, não me engajo porque não vejo propósito, e sem propósito não produzo nada relevante, num loop da desgraça.

Prefiro a abordagem do Sandro Magaldi:

“Encontrar um propósito no trabalho que eu desempenho ao invés de buscar um trabalho com propósito”

Em organizações que precisam inovar, se reinventar, não dá para continuar fazendo mais do mesmo. É preciso mudar, melhorar, estudar, e testar coisas novas. E empresas são as pessoas, como é possível mudar a empresa sem antes mudar as pessoas que a formam?

Acho que não dá. E o primeiro passo é empoderar (eu também odeio esta palavra!) cada um de seus membros para que eles sejam o olho e a voz do dono. Isso é mudar a cultura e o Mindset da empresa. Isso requer, antes de mais nada, Autonomia.

E como saber quando chegamos lá? Eu fico com a resposta do Sandro Magaldi. O resultado foi atingido quando mudamos a cultura. E o Sandro sintetiza isso muito bem:

“Cultura é o que você faz quando o chefe não está olhando”

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

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Ultimos comentários

DANIEL DE MELLO OLIVEIRA

Nuno, este tema é super atual e muito amplo! Normalmente entendemos que quem tem autonomia é o chefe e ele ganha mais e aí pode assumir as responsabilidades.... Será? Observei vários pontos que merecem nossa atenção, mas vou ficar em um único: a escola não ensina a ser criativo.... Simplesmente porque criatividade é ser capaz de resolver problemas ou mudar situações desfavoráveis no seu dia a dia. Não estou falando de artes, mas do cotidiano. Em nossas famílias temos toda a condição de ensinar criatividade e autonomia, mas será que os pais estão dispostos a encarar este desafio? O que observo é que torna-se mais fácil deixar tudo por conta na babá atual (multimídia e cheia de recursos). Sobre as empresas, concordo 100% contigo! Mas não adianta ficar no discurso que o topo da pirâmide precisa comprar a ideia e começar a dar o exemplo. Todo indivíduo na sociedade moderna tem esta capacidade. um abraço e parabéns pelo artigo.