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Imagine que você é um lutador de boxe em inicio de carreira. Você precisa arrumar uma luta para começar, e eis que surge uma oportunidade, mas as opções são o Mike Tyson, o Evander Holyfield ou o Muhammad Ali. O que fazer?
Bom, está claro que não importa muito quem você vai escolher, esse é um jogo ganha-perde, onde você fatalmente está no lado perdedor.
E qual é a saída? A única possível é não lutar. Se você decidir lutar, o resultado está definido. Dependendo de quem você é, do preparo que têm, você vai durar mais ou menos segundos no ringue. Pode ser que você dure alguns rounds se você for muito bom, mas as chances de vitória beiram o impossível, um empate seria um milagre e na verdade se você sair vivo do confronto já seria um resultado interessante.
Um bom general evita as batalhas que tem certeza que não pode vencer, ensina Sun Tsu.
Uma outra metáfora é quando a formiga se deita ao lado do elefante. Se a formiga se mexer de forma alucinada talvez o elefante sinta uma micro cócega. O oposto não ocorre, qualquer movimento do elefante esmaga a formiga.
Algumas empresas de grande porte são conhecidas pela forma como tratam seus fornecedores. Na verdade, a palavra correta deveria ser “maltratam”. Há alguns eufemismos para isso. Ninguém é assumidamente um carniceiro de fornecedor. Eles preferem dizer que praticam gestão rigorosa de custos.
Um conhecido me contou que estava participando de um projeto numa conceituada empresa de transportes e se lembrou que tinha excelentes contatos num famoso Embarcador e foi fazer uma visita. Um diretor devolveu na lata: “Ariobaldo, você tem certeza que quer prestar serviços para nós? Você sabe que aqui a política é arrochar o fornecedor.” Ele sabia, mas sabe como é, prestar serviços para uma logomarca tão conceituada ficaria legal na foto. Eis que ele pensou melhor e resolveu que a ideia era ruim e desistiu.
Ariobaldo é um nome fictício (ninguém se chama Ariobaldo!), mas a história é verídica. O mercado espalha rapidamente as notícias. Não é segredo como esta ou aquela corporação atuam. O verniz é sempre o mesmo: parceria. Alguns realmente a praticam, outros não.
Tivemos um cliente que atuava em carga aérea. Esta empresa não existe mais. Em certo momento celebraram um contrato para prestar o transporte aéreo para uma grande multinacional de TI. Um dos serviços era chamado de Colo a Colo. A entrega era tão urgente que ia um funcionário da transportadora levando a carga como bagagem de mão, que tem a prioridade, entre as cargas, para embarque no avião.
A partir da chamada, havia um prazo de uma hora para chegar ao aeroporto e pegar o próximo voo para o destino. E o prazo de entrega era de uma hora assim que o avião pousasse no destino. Uma operação nervosa, crítica e sujeita a toda sorte de problemas, como voo lotado, por exemplo. A penalidade, se não cumprisse o prazo, era o não reembolso da passagem aérea.
Este serviço era o frete mais caro do contrato, mas a penalidade era muito, mas muito superior ao valor de um frete. Uma coisa de doido. Este contrato foi uma fonte de prejuízos contínuos até que a empresa resolveu declinar de continuar prestando esse serviço.
Algumas empresas, mesmo sabendo das regras, escolhem entrar no ringue. Eles são convencidos ou se convencem que os envolvidos usarão o bom senso, que serão razoáveis. As vezes dá certo, na grande maioria das vezes não.
Por exemplo, nós já avaliamos na Signa a possibilidade de trabalhar com o governo, mais especificamente numa das maiores estatais do país. Era um projeto de auditoria de frete. Lá o contrato é por adesão, ou seja, nada é negociável, ou você adere ou não se habilita a ser um prestador. Como dizem as crianças, “Não sabe brincar, não desce para o play”.
E o tal contrato por adesão é o popular contrato leonino. Recheado de cláusulas inaceitáveis. Quer alguns exemplos? Eles podem mudar, a qualquer tempo, o escopo do projeto, sem que você possa rever o prazo ou o preço dos serviços. Outra cláusula diz que mesmo que você fique sem receber não pode interromper os serviços durante a vigência do contrato. E você deve saber que não há como protestar uma estatal.
É uma coisa de maluco. A única forma de entrar nesse jogo é assumir os riscos. Aí você entra no jogo ganha-perde. Pode ser que tudo dê certo, mas a maior chance é que você quebre.
As vezes não é interessante que você quebre logo, pois eles precisam de fornecedor. Nesse caso, enquanto você aguentar, vai prestar serviços em condições desfavoráveis, até que a sua saúde financeira e seus recursos se esgotem. Aí você sai do ringue e eles não vão ficar chateados com isso, porque há uma longa fila de empresas que querem entrar nesse ringue.
Há uma famosa multinacional especializada em quebrar fornecedores. Eles trabalham com prazos de pagamento para fornecedores de 5 meses e pretendem chegar a 6. Como alguém consegue prestar um serviço para receber num tempo tão longo? A resposta é que não consegue, mas eles, como são legais, permitem que você antecipe o recebimento em algum banco conveniado, com um desconto financeiro. Afinal você também tem contas para pagar.
Note bem que não estou dizendo que não se deve prestar serviços para grandes empresas. A Signa atua com as maiores empresas do segmento de transportes e logística, algumas multinacionais, e temos muito orgulho em fazê-lo. Por exemplo, desde 2001 nós atendemos a então chamada Júlio Simões, agora conhecida como JSL. O meu ponto aqui é não entrar no jogo com empresas que usam o seu porte e poder para tornar a vida de seus fornecedores precária.
E há o caso do cara no hospício que bate todo dia com a cabeça na parede. Quando perguntam porque ele faz isso ele responde – “É tão bom quando eu paro”. É ruim entrar num relacionamento deletério, mas nem sempre dá para saber isso com antecedência. Uma vez descoberto que entrou numa fria, novamente há uma escolha. Você pode parar ou continuar. Sim, eu sei, não é simples parar, demitir um cliente. Também não é bom demitir um funcionário, mas são coisas que quando forem necessárias precisam ser feitas. Se não é aguentar porrada. O Tyson sabe bater.
E no final das contas você não está conduzindo um negócio, você está pedalando uma bicicleta. Se você para de pedalar, a bicicleta cai. E não adianta reclamar, até o seu melhor amigo vai te dizer algo como “Você foi lutar contra o Tyson, agora não reclama que apanhou feio”.
Nuno Figueiredo
Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.
Foto: Wallpapers-House
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Ultimos comentários
Sua analogia é bem interessante, por causa de motivos citados no seu texto e de outros,que é de extrema importância uma empresa conhecer profundamente seus custos, seu ciclo operacional e acima de tudo, ter um planejamento financeiro muito bem elaborado e estruturado.Pois assim, será menos"complicado" tomar a decisão de ter em seu portfólio clientes de grandes portes com políticas arrochantes com seus fornecedores. Um forte abraço, e sucesso sempre!.