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Num grande Embarcador, onde fizemos uma consultoria, tive a oportunidade de conhecer um sistema de precificação de frete muito complexo e interessante.
Eles construíram uma solução que permitia cadastrar fórmulas usando como variáveis qualquer índice ou fator que impactasse o custo. Por exemplo, poderiam fazer uma equação misturando o valor do combustível com a variação do IGPM. Para chegar no preço que o transportador deveria cobrar num trecho podiam ser usadas variáveis como o custo do pneu, manutenção, troca de óleo, entre outros.
Um sistema extremamente flexível que entrou em desuso em poucos meses, sabe por que?
Pela enorme dificuldade de se aplicar um reajuste de preços.
Esse é um fator importante em qualquer projeto, seja ele de informática ou não. A gestão do escopo. A vontade de criar algo perfeito insere complexidades que não ornam e no final podem até inviabilizar o todo. Seja porque o projeto se torna muito caro e não é aprovado, até ele virar a obra de construção de uma igreja.
A obra mais interessante que eu conheço é o da catedral de Colônia. Ela levou mais de 630 anos para ser construída. Difícil de imaginar, não? Você trabalha num projeto que só Deus sabe quando vai virar. E antes que a culpa seja dada à tecnologia disponível na época (a obra iniciou em 1248), veja o caso da Igreja da Sagrada Família, em Barcelona, que está em construção desde 1882 e tem como previsão de conclusão o ano de 2026.
Se você quer saber mais sobre a construção da catedral de Colônia acesse este link.
Logo, um bom objetivo para qualquer projeto é não transformar o mesmo numa obra de igreja!
Para quase tudo na vida, o lema abaixo é um bom conselheiro.
Já ouvi isso numa palestra da Microsoft: o melhor sistema é o que já está disponível no mercado. Eles abordaram a história de um software muito promissor, porém que ficou desconhecido porque morreu antes de nascer. A causa mortis foi o escopo de sua primeira versão. Queriam lançar algo mais robusto e mais completo e assistiram o mercado se antecipar e a realidade mudar, tornando o projeto natimorto.
Eu vi isso de perto quando trabalhava no Banco Francês e Brasileiro, que na época pertencia ao banco francês Credit Lyonnais. O BFB contratou uma das big five consultorias do mercado para fazer um novo sistema de fundos. Entre outras maravilhas esse sistema teria a capacidade de sugerir a distribuição de um investimento em aplicações distintas, para maximizar a rentabilidade, algo que foi apelidado de fundo pizza.
O projeto nunca foi implantado. Virou uma crise que só foi solucionada com a venda do BFB para o Itaú quando, para alivio da consultoria, o projeto foi finalmente cancelado.
O mercado conhece a prática de ir adicionando requisitos a um projeto como o “Já que”, que funciona assim: você começa querendo reformar o banheiro da sua casa. Você precisa trocar o piso. Já que vai ter que quebrar tudo, você aproveita para trocar também os azulejos. Já que vai mexer nos azulejos, você troca também o vaso sanitário e lavatório. Aí o espelho não vai combinar e precisa trocar também. Claro que você vai pintar o teto, e já que o pintor será chamado, aproveita que o quarto tá precisando de uma pintura. E por aí vai até que você reforma a casa toda.
O único freio possível é quando dói no bolso. O bolso, você sabe, é o órgão mais sensível do corpo humano. Quando o custo do “Já que” começa a crescer, você logo perde a vontade de esticar mais a reforma. Nem sempre dá tempo. Às vezes já quebrou tudo e aí não tem mais volta. No limite, você acaba com uma casa quebrada e com a reforma incompleta.
Outra parte sensível de um projeto é no momento da entrega, quando alguém vai validar e dar o aceite. Há sempre algo a ajustar e aí pode ocorrer de novo. Já que você terá que mexer nesse detalhe aqui, aproveita e faz uma pequena mexida ali também.
O risco é de estender demais a validação e ir inserindo pequenos penduricalhos. É humano, e muito comum, subestimarmos o impacto de pequenas demandas. Aí se acumulam atrasos e desgastes desnecessários. Mais prudente se ater ao básico que está previsto e abrir após a entrega uma fase que trate dessas melhorias.
Não que outras fases do projeto não sejam importantes. Normalmente elas são internas e menos sujeitas a imprevistos e alterações de escopo e, portanto, menos vulneráveis.
Quanto maior for o projeto, maior o risco de seu insucesso. Alguém já disse que para um projeto atrasar um ano, ele atrasa um dia por vez. Em projetos maiores, pequenos atrasos são menos relevantes porque há um sentimento de que é possível recuperar o tempo perdido. Novamente quebrar o elefante em partes e promover entregas parciais minora o risco de desvios.
E há também a questão do cliente que quando recebe exatamente o que pediu, descobre que não era bem isso o que queria. O risco aqui é tentar dar soluções precipitadas e aí vira o puxadinho. Para esse tipo de solução, uma frase que se aplica bem é:
Soluções ad hoc, no calor da entrega, tentando consertar desvios de requisito normalmente geram mais problemas do que soluções. No afã de atender, às vezes o fornecedor assume para si questões que não são suas. Já fiz isso e posso afirmar que é, no mínimo, temerário.
Se o gestor do projeto permite mudanças a todo instante está abrindo a porta para atrasos acumulados. Uma coisa é quebrar em fases ou sprints e rever a cada término, outra é ir mudando no meio do caminho. Neste caso quando alguém vier reclamar que o projeto está muito atrasado, aí só resta perguntar: você já ouviu falar da obra da igreja de Colônia?
Nuno Figueiredo
Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.
Foto: Freepik
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Ultimos comentários
Parabéns!
Texto claro e bem definido, agradável de ler. Até para quem não entende desses sistemas de cálculos que misturam "n" possibilidades e a mim embasbacam como me embasbacavam os cálculos matemáticos para levar um foguete de Cabo Kennedy, ex-Canaveral, à Lua, feitos pelo professor Sadao, de Física, nas frias salas do I.E.E Albino Cesar. Eu não entendia e jamais entendi as duas imensas lousas que cobriam duas paredes da sala de aula, mas me maravilhava com a fórmula final envolvendo letras, números e sinais que deveríamos usar para reconstituir a tal viagem à Lua. Tive que copiar todo aquele emaranhado de contas de um colega "gênio" para conseguir 1 (hum) pontinho extra que ajudaria na nota de bimestre, sempre sofrida. Sou péssima em cálculos. Mas esse belo texto não pode deixar indiferente que já precisou fazer uma "pequena" reforma em casa. Sem uma boa organização em que conste começo, meio e fim nenhuma tarefa acontece a contento.