Por que se resolve ser um caminhoneiro?

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Signa

29 de mai de 2018

· 10 min de leitura

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Caminhoneiro
transportador
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29/05/2018

Dentre as profissões regulamentadas, a de motorista de caminhão pode ser considerada como uma das mais perigosas. O risco de morte sempre existiu, mas nunca ele foi tão alto como agora.

A escolha de tornar-se um empreendedor sendo um TAC – Transportador Autônomo de Carga – deveria, tendo por base esse risco, ser de baixa atratividade, mas não é isso que se observa ao se analisar os números dessa categoria: são 622.328 TAC (ANTT/2016) que respondem por quase 40% da frota de caminhões. Isso sem contar com as dezenas de milhares de ETC (Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas) que, por terem em sua frota de 1 a 5 caminhões, atuam em condições similares à de um TAC.

Então, por que esse interesse em empreender no transporte de cargas? Ocorre que existe uma ilusão meio romântica de liberdade misturada com o ganho fácil, pois o caminhão é conhecido por ser uma máquina de fazer dinheiro, e rápido. Com ele disponível, sempre se consegue alguém que queira transportar algo e pagar por esse frete.

Mas, se é ilusão, não é um negócio economicamente viável? Também não chega a esse extremo, porém os resultados que hoje vemos e acompanhamos nos noticiários confirmam que é uma atividade que requer muita atenção com o seu fluxo financeiro.

Como todo negócio, sua gestão requer um conhecimento do mercado onde se vai atuar, porém o que normalmente acaba por ocorrer é que o TAC passa a atuar em todo o Brasil, ou seja, num mercado muito vasto, diversificado e naturalmente hostil, e algumas questões precisam ser destrinchadas. Vamos analisar a seguir algumas das razões que levaram essa categoria a essa condição.

A primeira delas é que, apesar do setor de transporte rodoviário de cargas ser regulado, as barreiras de entrada para novos transportadores é muito fácil de ser transposta, permitindo que muitos se aventurem nesse setor e, aventurar-se nesse caso, significa não somente o risco de perder o seu capital financeiro ou a vida mas, também, o de colocar em risco o capital financeiro e a vida dos outros transportadores.

Além disso há a falta de conhecimentos básicos de gestão, afinal, ao se transformar num TAC, esse motorista profissional do transporte passa a ser equiparado a um empreendedor, um gestor de seu próprio negócio e essa confusão entre CPF / empregado e CNPJ / patrão não fica perfeitamente demarcada em sua mente.

Outra não menos relevante e bastante complexa de se tratar é a questão emocional e comportamental. Você não vira dono de botequim porque gosta de beber, mas torna-se dono de um caminhão porque gosta de dirigir, e isso faz toda a diferença no relacionamento com seus clientes e concorrentes, que muitos gostam de chamar de companheiros.

Desta forma o TAC ou caminhoneiro, como gosta de ser chamado, vive num mundo onde a competição é feroz, seus pares não respeitam regras mínimas para uma concorrência saudável e, oportunizando-se desse ambiente, os ofertantes de cargas, que não se fazem de rogados, incitam sobremaneira essa disputa, levando muitos à insolvência.

Como então conseguir sobreviver num ambiente como esse? Não é fácil e nem mesmo existe uma receita salvadora, mas, com algumas medidas, é possível ao caminhoneiro mudar de lugar na fila dessa catástrofe anunciada.

Vamos a algumas dicas que podem auxiliar, lembrando que como toda dica, não deve ser levada ao pé da letra, mas sim interpretada para a sua realidade.

Primeira dica: verifique a sua aptidão

Primeiro vamos fazer uma análise de aptidão. Se você é caminhoneiro mas discorda ou vive reclamando dessas leis que foram criadas e das regras impostas pela ANTT, não importa se você está na estrada há 5 ou a 50 anos, saiba que você não está no lugar certo, e caia fora desse setor, pois essas regras são as mínimas necessárias para que se organize o transporte rodoviário de cargas.

Se as fiscalizações não estão sendo efetivas, é bom lembrar que as legislações e suas regulamentações estão vigentes e a cada dia que passa o torniquete vai apertar cada vez mais.

Segunda dica: esqueça as frases prontas

O segundo ponto são as frases prontas que contaminam o setor, como: “caminhoneiro administra miséria”, “caminhão parado não dá lucro”, “frete de retorno é pra pagar os custos” e outras mais, que só servem para emburrecer o motorista.

Falar para um caminhoneiro economizar, é chover no molhado. Todo caminhoneiro tira o leite de pedra, opaaa!! Tá aí um bom exemplo: uma vaquinha dá leite e se você melhorar sua ração, ela vai te dar mais leite. Porém, se você cortar a ração e deixar só no pasto, ela ainda vai continuar te dando um pouco de leite. Já o caminhão dá dinheiro, e para tal ele come, dinheiro. Isso mesmo, caminhão come DINHEIRO, e se você não administrar muito bem a hora de gastar, ele vai comer todo o seu dinheiro.

Administrar um caminhão é saber a hora de rodar, a hora de parar e principalmente, a hora de planejar. O caminhoneiro, de maneira geral, não tem capital de giro, trabalha com o dinheiro do cliente (adiantamento do frete) e com o crédito que tem na praça, e isso é um mau sinal para a gestão do seu negócio, pois ele calcula o frete com base nessas duas premissas: se o valor paga os custos da viagem e se o que sobra dá para pagar as prestações. Atendidas as duas premissas, vamos rodar.

Se o frete é ruim, mas atende as premissas, então vamos rodar à noite, vamos correr pra chegar logo e descarregar, e assim por diante, mas tudo isso que aparentemente é mais dinheiro no bolso, nada mais é que prejuízo sendo plantado para ser colhido logo ali adiante.

Todo motorista sabe, por experiência própria, quando está esticando demais o elástico, e não tem erro, ele vai arrebentar e, pior, sempre em momentos em que as coisas estão mais difíceis. Então, aprender a encontrar qual o seu custo mínimo por km rodado é o primeiro passo. O segundo é saber que os custos mínimos não são somente os consumíveis como diesel, pneu e alimentação, mas também troca de óleo, emplacamento, seguro e, principalmente, os gastos que se tem rodando vazio até carregar.

Depois é preciso saber se o frete realmente atende. Os contratantes se acostumaram a apresentar o preço do frete por tonelada para um determinado destino, enquanto o correto seria reais por tonelada por quilômetro (R$/t/km). Parece que é a mesma coisa, mas não é. Isso é que nem promoção de loja, na placa o preço é R$ 9,99 para o cliente não assimilar que é R$ 10,00.

Com o preço por tonelada dificulta-se a assimilação da diferença entre fretes, uma vez que os valores são bem diferentes entre as localidades, enquanto que em R$/t/km, essa variação entre um destino e outro, se houver, é por que está implícito alguma variável ou bônus de atração para aquele carregamento e desta forma fica mais fácil ao caminhoneiro, conhecendo o seu custo por quilômetro, escolher qual frete aceitar.

Terceira dica: evite comportamento errático

A terceira dica se refere às questões comportamentais ou de relacionamento entre os caminhoneiros e seus agentes. Se existe um ambiente de relações degradadas, esse é o ambiente do transporte. Parece que conflito e o senso de oportunismo são o oxigênio dessas relações, reclama-se de tudo, e, como é errado dizer que tudo está errado, é necessário que se aprenda a separar as coisas, pois oportunismo não é o mesmo que oportunidade e essa falta de compreensão entre os significados faz com que muitos façam de algumas situações ocasionais uma regra.

Que atire a primeira pedra quem nunca se viu compelido a subornar um policial de trânsito, mas deixar o caminhão em condição irregular por entender que todo policial de trânsito é corrupto ou que as coisas sempre irão se resolver com uma propina, é o típico comportamento errático. Desta forma, exigir o que lhe é de direito está intimamente ligado ao cumprimento de seu dever, e o caminhoneiro sempre foi e continuará a ser a ponta mais fraca nessas relações, mas isso não deve significar que ele sempre será abusado em seus direitos, basta que para tal ele cumpra com mais determinação os seus deveres.

Um exemplo é quando da contratação de um frete, ele ocorre dentro de uma informalidade, na palavra, mas quando algo de errado acontece e vai se exigir os direitos, logo vem à tona a frase "onde estava escrito?". Ora, com as modernidades de hoje, ficou muito mais fácil se comprovar inúmeros fatos, o tal do celular smartphone, com sua câmera fotográfica, seu gravador de voz, GPS e aplicativos de mensagens, permite que se construam inúmeras provas do que foi acordado, lembrando que, pau que dá em Chico também bate em Francisco.

Uma das medidas comportamentais que mais fazem falta ao caminhoneiro é a da formalização. É preciso deixar bem claro o que foi tratado, abandonar o hábito de achar que como é assim que as coisas funcionam, então é assim que deve ser.

NÃO, as coisas não deveriam ser assim, e só vão mudar quando você começar a mudar. Lembre-se, nesse mundo de modernidades, existe algo que chamamos de virtual. Sabe o que é isso? É, por exemplo, os agentes de frete pela internet, o Fretebras, Sontra, Truckpad, Querofrete, etc. Com eles conseguimos informações, mas não estabelecemos relação, não existe o olho-no-olho, o cara-a-cara, e isso faz toda a diferença em como vamos atender às nossas expectativas: para eles vale o que está escrito, já para você, vale o que se compreendeu do que estava escrito. Nesse espaço da dúvida cabe tudo, de oportunidade a oportunismo.

Portanto, é importante que se deixe bem claro o que foi acordado, pois a sua experiência já deve ter lhe ensinado que ninguém paga um frete maior por nada: ou ele, o contratante, não está atualizado do preço praticado, e essa é uma oportunidade, mas que será momentânea pois assim que ele souber o preço vai se enquadrar, ou é um oportunismo, em que ele, o contratante, está oferecendo algo e omitindo outros fatores que fariam você rever a contratação. De uma forma ou de outra, se o que foi tratado está registrado, então você estará coberto para reivindicar os seus direitos e/ou cumprir com o que foi estritamente contratado.

Em resumo, se você se enquadra na legislação, tem aptidão para o transporte rodoviário de carga, sabe quanto lhe custa rodar 1 km, cheio ou vazio, e consegue realizar contratos de fretes sem prejuízo, seja ele financeiro, moral ou emocional, então SIM, ser um TAC é bom negócio.

Concluindo, não custa lembrar que em qualquer profissão, para que a atividade não seja só uma obrigação, é preciso que se goste de realizar as suas tarefas. Dirigir um caminhão é uma atividade solitária, estressante, não rotineira, que exige concentração e raciocínio rápido, noção espacial e geográfica, de alta responsabilidade e paciência, muita paciência.


Marcos Fleming

60, profissional autodidata. Sempre sonhei em ser caminhoneiro, mas, se me faltou coragem para abandonar tudo e me jogar na estrada, não me faltou carinho e dedicação para acompanhar, pesquisar, estudar e refletir sobre essa profissão, da qual peço licença para me considerar um caminhoneiro com muito orgulho.
Grita Krica (Youtube e Facebook) é meu canal, onde busco externar minhas indignações e também passar um pouco desse conhecimento.

Nota da Signa:

A oportunidade de trazer convidados para escrever neste espaço não significa que a opinião externada seja a opinião da Signa, mas sim que, ao darmos voz a um expoente deste mercado para nos brindar com um pouco de seu conhecimento, nos permitir conhecer os assuntos por vários ângulos.

 

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