Não durma em serviço

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Nuno Figueiredo

28 de mai de 2019

· 6 min de leitura

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Uma tendência em prédios residenciais, que começa a chegar também aos prédios comerciais, é a utilização da portaria remota, também conhecida como portaria virtual.

Aquele porteiro simpático que você cumprimenta todos os dias, e aquele porteiro noturno que você vive acordando de madrugada para te abrir a garagem, estão em extinção.

O evento é inevitável. Ao aliar um serviço melhor e mais abrangente, com tecnologia e redução de custos, a oferta torna-se quase irrecusável.

Eu participei da seleção de uma empresa no meu condomínio e vou dividir alguns insights que aprendi neste processo.

O primeiro é assistir de forma relaxada a algumas apresentações comerciais. Recebemos oito empresas que tinham uma hora para vender o seu peixe. Aí tem de tudo, vem o vendedor bom de papo, aquele que acha que vai ganhar a parada no blá blá blá, etc. Ele é quase um clichê, está parado no tempo. Ainda acha que tudo é uma questão de lábia, o tipo que se gaba de vender gelo para esquimó.

Interessante que esse, talvez por essa mentalidade, é o menos preparado para fazer a venda. Domina muito mal o produto e o segmento que pretende atender. Não sabe responder perguntas menos óbvias e fala muitas frases feitas que não passam credibilidade.

Esse vendedor é de um tempo onde havia assimetria de informação, numa era pré Internet, onde o vendedor detinha mais informações que o comprador e sambava em cima de seu maior conhecimento. O modelo perfeito desse tipo de vendedor era o antigo vendedor de carros usados que vemos em alguns filmes americanos.

Veio também o vendedor do produto. Demonstra excelentes conhecimentos a respeito do serviço que está vendendo e da sua empresa. Não passa segurança sobre os problemas e necessidades do cliente. O foco dele está distorcido. Ele tem como missão vender o seu peixe, não resolver algum problema do cliente.

E veio também o que eu considero ser o vendedor completo. Ele não vende o seu serviço, ele vende a ideia da portaria remota. Traça um paralelo entre a situação atual e a futura, destacando as diferenças de segurança, comodidade e custo.

Ele apresentou fotos como essas abaixo. O cara dispara. Você acha que está seguro, mas é isso aí que você tem hoje a noite na tua portaria. A habilidade de comparar o atual versus o desejado de forma favorável é uma arte.

Não durma em serviço

Esse vendedor conhece muito de seu produto e de sua empresa, mas principalmente do mercado onde atua. Ele se porta como um consultor. No meio de sua apresentação vai dando dicas e reforçando boas práticas que deveriam ser seguidas, independente de quem venha a ser contratado. Ele sabe responder a qualquer pergunta com dados e passa muita segurança; baseia seus exemplos em casos reais de clientes que já atendeu e situações que já viveu.

Eu fiz um ranking das apresentações que eu assisti. Sem nenhuma surpresa, os três finalistas eram os que tinham a melhor apresentação. A empresa escolhida no final foi a que tinha o vendedor mais completo.

É o que qualquer cliente hoje espera de um vendedor. Alguém que vai demonstrar expertise em como resolve um problema e uma dor existente. É mais fácil perceber isso numa apresentação onde você não está ligado nem na ponta vendedora e nem na compradora. Eu era uma das muitas opiniões que poderiam decidir, não havia alguém com o chamado poder de decisão, e ainda assim a decisão foi unânime.

Outro ponto que me chamou a atenção é que um recurso numa central atende em média a 5 condomínios. Isto, claro, depende do número de apartamentos do prédio, mas essa é a média geral. Na verdade, não é um atendente, é um por turno, já que o serviço ocorre 24 x 7. Ainda assim um posto de trabalho remoto equivale a cinco portarias físicas.

Apoiado por uma estrutura de câmeras, sensores, travas de porta e controles de garagem, gerador e conexões redundantes à Internet, essa estrutura virtual tem um ganho de eficiência de 5 para 1.

Isso gera um considerável impacto no custo final. O serviço no caso do meu prédio vai permitir uma economia de 40% no valor do condomínio, numa estimativa conservadora. A redução a ser obtida é tão relevante que paga todo o investimento necessário e custos de rescisão. Após esses custos serem quitados, vêm uma diminuição no valor do condomínio. Uma oferta matadora.

Chega a me incomodar o fato de termos discutido este assunto no condomínio há cerca de dois anos e resolvermos não seguir em frente. Nem chamamos algumas empresas para conversar. Achamos, baseado em pouca informação, que aquilo não seria algo plausível. Me senti como os caras na figura abaixo, ocupados demais para perder tempo com um vendedor. Não é só o porteiro que dorme em serviço.

Legendas: Não, obrigado! – Nós estamos muito ocupados

Legendas: Não, obrigado! – Nós estamos muito ocupados

Isso não elimina toda a mão de obra do prédio. Manteremos um recurso da limpeza e um ajudante geral, que vai apoiar a portaria na chegada de encomendas, entre outros afazeres.

Ainda assim, o quadro de 6 pessoas será reduzido para 2, e seria perfeitamente possível operar somente com um recurso, desde que este fosse terceirizado por conta de ausências como férias que necessitam ser cobertas.

Nada novo, não é? temos a automação e a tecnologia permitindo novos serviços, com mais assertividade e reduzindo custos.

E há o inevitável impacto social. O recurso da central tem o colegial completo, recebe treinamentos, e é muito mais qualificado, e ganha mais que um porteiro médio. Na outra ponta, temos um monte de gente pouco qualificada, cujo mercado de atuação está encolhendo de forma rápida e sem aviso prévio.

Será difícil para esse tipo de mão de obra, pouco qualificada e com pouco preparo, encontrar outra ocupação. Este fenômeno está ocorrendo em todos os mercados, e aqui uma legião de porteiros e zeladores terá que encontrar outra ocupação enfrentando uma tempestade quase perfeita: um mercado em recessão, o mercado onde atuam em plena transformação e um país que atingiu a enorme quantia de 13 milhões de desempregados.

A última conclusão que eu cheguei é que as empresas mais preparadas, e que estão liderando esse novo mercado são empresas de TI, que já trabalhavam com automação predial e mudaram o foco para abraçar esta oportunidade.

Eu imaginei que a maioria das empresas que viria seriam empresas tradicionais que já oferecem serviços de segurança patrimonial e terceirização de serviços de portaria e limpeza. Ledo engano, essas empresas, apesar de já atuarem há anos atendendo a condomínios, não estão prontas para essa nova realidade. O mercado evoluiu e elas não se moveram na velocidade necessária. Há exceções, mas esta parece ser a regra.

Aquela velha mania de continuar fazendo o que sempre fez, o que paga as contas, até que vem alguém e resolve mexer no teu queijo. Novamente, não é só o porteiro que dorme no serviço.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

 

Foto: Freepik

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Ultimos comentários

marta maria nunes

Muito bom este texto e realmente tem tudo a ver com o momento atual e é claro, com a História da Evolução Humana! Perceber o ambiente e entender de fato quais serão as tendências e mega tendências além da "sua mesa" é uma sabedoria para poucos e atualmente disponível para muitos. Parabéns pelo texto e se me autorizarem, gostaria de compartilhar dizendo a fonte é claro.