Enxugando Gelo

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Nuno Figueiredo

26 de mai de 2021

· 4 min de leitura

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Logística
Tecnologia
Otimizar
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Quando eu estive na estação de ski em Ushuaia, na Argentina, eu resolvi fazer aulas porque meu nível é bem básico. Lá fui eu com o professor para a pista dos aprendizes, que é uma pista com uma inclinação bem suave, própria para iniciantes. Para ajudar, depois que você desce a pista, tem uma esteira rolante para te levar de volta para cima. Foi ali que eu vi o melhor exemplo de trabalhar enxugando gelo.

No fim da esteira tinha um funcionário com uma pá, retirando a neve que ia caindo na esteira. Um trabalho chato e interminável. Enquanto a pista estivesse em uso, era necessário retirar a neve da esteira. É um trabalho interminável, porque sempre vem mais neve. Literalmente, ele estava enxugando gelo.

Esta expressão é muito apropriada para tarefas que não agregam e que não chegam a um resultado definitivo. Sempre vai ter mais neve, portanto, refletem bem um sentimento de frustração quando você não está chegando a lugar algum, num projeto ou numa atividade.

Um mantra que é verdadeiro para sistemas, informáticos ou não: a qualidade da saída depende de controlar bem e de forma adequada a entrada. Se entra lixo, sai lixo.

As vezes temos a tentação de achar que barreiras e tratamentos intermediários irão resolver o problema, na maior parte dos casos é um ledo engano. O mais comum é que o que começa torto, termina torto.

Num sistema isso é bem claro. A hora de dar qualidade ao dado é quando ele entra. Se deixa entrar qualquer coisa, essa sujeira vai gerar n problemas ao longo do uso, cada hora será uma surpresa diferente. Ou usando outro refrão, a cada machadada você acha uma minhoca.

Muito se fala hoje em Transformação Digital. Como ninguém é uma ilha, você depende do meio onde você está inserido. Ora você é o gerador da informação, ora você é o receptor, e não raro você pode atuar nas duas pontas.

Quando se trata de digitalizar os processos é desejável não ter processos manuais e retrabalhos. Se uma informação precisa estar disponível no formato eletrônico para ser usada ao longo da cadeia interna e/ou externa, ela tem que ser gerada com qualidade. No limite, na passagem da mesma, tem que haver a trava na porta que impede a sujeira de entrar para dentro.

Qualquer coisa diferente disso, estaremos enxugando o gelo, ou seja, sendo convidados a dar soluções para problemas de terceiros, notadamente o gerador de tal informação. É uma tarefa ingrata e custosa.

Não raro, o gerador da informação é o teu cliente, portanto, fora do teu controle e gestão. Por isso, uma melhoria dos processos internos, normalmente tem que envolver o cliente e o fornecedor, tem que pensar na cadeia, não somente no próprio umbigo. Internamente tem que ter uma visão sistêmica, não pensar somente neste ou naquele departamento.

Lembrei disso na semana passada num projeto que entregamos para um Operador Logístico. Fizemos uma grande automação no processo de coleta e tratamento dos volumes, com controle de carga e descarga dos veículos, pesagem e cubagem automática na balança, enfim, algo bem interessante, visando erradicar erros, extravios e retrabalhos.

Faltou combinar com os Russos. Num Embarcador a passagem de carga e de informações é cheia de percalços. Não me cabe aqui detalhar as práticas ou a falta delas, dos outros, mas em síntese, este Embarcador se preocupa muito com o seu umbigo e zero com a bola que ele passa para o seu Operador Logístico.

Aí é bola quadrada, bola nas costas, chutão, vem de tudo, mas não vem um passe redondo. E você tem que receber torto, dominar direito e fazer a sua parte. Como nada substitui o resultado, a cada momento temos que estressar o que deveria ser simples, A cadeia de abastecimento tem que ser azeitada entre os elos participantes, não dá para fazer verão sozinho.

Enfim, a cada rodada do nosso piloto surge alguma novidade, algum processo manual, alguma coisa fora do padrão, que faz o projeto precisar de apêndices, num ritmo que me lembra daquela pista de gelo em Ushuaia. Parece que estamos tentando enxugar o gelo.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

Foto: Freepik

 

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Ultimos comentários

Hélio

Verdade.

Daniel de Mello Oliveira

Nuno, só corrigindo: Para cada enxadada uma minhoca...rsrsrs Esse povo da Capitar num intende disso, sô.... Um abraço.