Carregando a Velhinha

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Nuno Figueiredo

02 de jun de 2021

· 3 min de leitura

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Reflexão
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Um monge anuncia para seu discípulo que no dia seguinte eles sairão do mosteiro para uma jornada de peregrinação.

O discípulo, nervoso pelo fato de sair pela primeira vez para conhecer o mundo, pergunta:
- Mestre, que conselho me dá? Como devo me comportar lá fora?
O mestre reflete por alguns segundos e diz:
- Durante toda a viagem não carregue ninguém nas costas. Curioso, o discípulo pergunta:
- Mas é só isso?

O mestre confirma e se afasta. No dia seguinte, no meio da tarde, eles chegam até um rio, onde encontram uma velhinha. Ela não tem forças para atravessar o rio e olha para eles desamparada. O discípulo pensa em ajudar, mas lembra-se do conselho de não carregar ninguém, e não a ajuda.

O mestre se oferece para ajudar, coloca a velhinha nas costas e faz a travessia sob o olhar curioso e indignado do seu discípulo.

Aquele fato foi remoendo a paz de espírito do discípulo. Ele foi ficando cada vez mais amuado e ressentido com seu mestre, que não praticava os conselhos que dava. Ao final de uma semana, a raiva e o desgosto acabam por consumir o discípulo. Ele se revolta, joga seus pertences no chão e anuncia que não vai mais participar da jornada.

O mestre calmamente questiona o motivo de tanta frustração. O discípulo se lamenta:
- O senhor me disse para não carregar ninguém nas costas, mas no final do primeiro dia carregou aquela velhinha!
E o mestre responde:
- Eu ajudei aquela velhinha a atravessar o rio, mas é você que está carregando-a nas costas há mais de uma semana.

Às vezes eu percebo, no meio da noite ou no fim de semana, que estou com a velhinha nos ombros. Sinto a sua presença e vejo que não consegui me desligar do meu trabalho. Para o bem e para o mal. Tanto quando estou mais eufórico, quanto nos momentos em que fico pensando em algum problema.

Por mais que se deva separar a vida pessoal da profissional, inevitavelmente uma acaba interferindo na outra. Temos que ter tempo para sermos o profissional, o pai, o filho, o irmão, o amigo, o marido e ainda arrumar algum tempo para nós mesmos.

Nós podemos carregar a velhinha em qualquer um desses casos, mas normalmente é no trabalho que ela aparece mais vezes. E o peso muda. Às vezes ela é magrinha, quase anoréxica. Noutras ela é uma mulher encorpada e difícil de carregar.

Não carregar a velhinha é uma meta a ser perseguida. É um problema crônico, para o qual não há uma cura e que exige uma vigilância constante. É preciso descobrir onde fica o botão on / off que permita desligar o problema.

Confesso que eu ainda não sei a melhor forma de não carregar a velhinha. Eu garanto que andar com ela nas costas não ajuda a resolver o problema e ainda cria outros. Se você tiver uma solução, me deixe saber.

 

Nuno Figueiredo

Engenheiro Eletrônico formado pela Mauá, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, é um dos fundadores da Signa, onde atua desde 95. Entre outros defeitos, jogou rúgbi na faculdade, pratica boxe e torce pelo Palmeiras.

 

Foto: Freepik

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Ultimos comentários

Hélio

Ótimo texto. Ainda não consegui 100% mas estou no caminho. Exemplo, ouço musica durante o banho e quando termino já estou outro e me dedico por inteiro à família.