A feijoada e a logística

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Nuno Figueiredo

23 de abr de 2018

· 5 min de leitura

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23/04/2018

O Bolinha se autodenomina a melhor feijoada de São Paulo. A propaganda comenta que eles fazem a melhor feijoada porque fazem isso todo santo dia. Eles se apresentam como a casa da feijoada, e lá você só pode pedir a feijoada light ou a completa. O Bolinha não é o único restaurante que opera com um único prato no cardápio: No L´entrecôte de Paris você pode pedir qualquer prato, desde que seja o Entrecôte. Não é o caso mais comum. A grande maioria dos restaurantes operam com maior diversidade no cardápio. As duas empresas acima optaram por uma oferta única, entregue com excelência e são reconhecidas por isso.

Neste caso é uma escolha. É a estratégia comercial deles. Não dá para dizer que um restaurante que sobrevive desde 1946, como é o caso do Bolinha, está errado. Outro cenário pior é quando você possui ou tem a capacidade / vontade de ampliar a sua oferta, mas sempre é procurado pelo mesmo produto / serviço. Parece aquele ator que ficou marcado por um único papel e não consegue fazer nada que não seja aquele personagem.

Voltando a explorar as diferenças entre o Transportador e Operador Logístico, vemos que uma parte importante que os diferencia, é como o Embarcador enxerga esses diferentes layers. Não é culpa do Transportador, se bobear ele nem é cotado para prestar alguns serviços devido a uma percepção, nem sempre correta, que ele não possui esse tipo de expertise e nem tem a intenção de ampliar a sua oferta incorporando outros serviços. Ele só é procurado para servir a feijoada.

As montadoras criaram até uma palavra para isso: desenvolver um novo fornecedor. Neste caso eles dão incentivos diversos para habilitar um fornecedor a se tornar mais relevante ou produzir outras peças que não estão em seu portfólio original. Esse incentivo pode variar desde a garantia de um volume previamente determinado de encomendas, empréstimo financeiro, até a cessão de máquinas que ficam disponíveis para o fornecedor enquanto o contrato ficar vigente.

Isso ocorre para gerar concorrência. A maior concorrência minora o risco de falta de insumos devido a um problema com um determinado fornecedor e ainda derruba preço pela disputa que se gera pela demanda.

É possível que um Embarcador envolva um Transportador em cotações mais abrangentes, que não envolvam unicamente transporte, mas é pouco provável. Quando isso ocorre quase sempre a percepção a respeito daquele fornecedor já mudou e por isso ele recebe o convite.

Alguns anos atrás auxiliamos um de nossos clientes a apresentar um projeto de Logística Inbound para uma montadora. O presidente da empresa me descreveu de forma sucinta o que era necessário estar contido naquele projeto:

“Há empresas nesse BID (cotação de projeto) que precisam convencer com a sua proposta. Nós precisamos convencer com a proposta e mostrar no projeto que temos condições de prestar esse tipo de serviço como qualquer Operador Logístico”.

Mais do que o transporte, havia a necessidade de integração de informações na cadeia, que era um fator crítico de sucesso.

Esta empresa já estava conseguindo ser percebida como alguém que poderia abrir a sua oferta, ainda assim me chamou a atenção a ciência da alta gestão da empresa a respeito das barreiras que ainda precisava enfrentar.

Isto nos remete ao quarto item da comparação entre os Transportadores e os Operadores Logísticos, cuja tabela você pode ler na íntegra aqui.

O contratante do Transportador visa minimizar o custo específico da atividade contratada. Por exemplo, reduzir o custo do frete. Esse objetivo enviesado não permite obter a otimização global, que seria o melhor para a empresa.

Já quando se trata do Operador Logístico o objetivo da contratante é reduzir os custos totais da logística, melhorar os serviços e aumentar a flexibilidade. Não é difícil entender porque os resultados são tão diferentes. O foco mais amplo e aberto permite enxergar melhor as oportunidades. Nem sempre dá para mexer numa área específica, principalmente se há um gargalo ou gerador de custos externo a esse departamento.

Por exemplo, se o departamento comercial vende sempre prometendo a entrega para o dia seguinte, a capacidade da expedição e do Transportador de sugerirem otimizações fica mais complicada. A falta de prazo dificulta a consolidação de carga, logo gera custos de frete maiores.

Alterar a política de prazos do comercial, quando possível, é algo que só pode ser visto quando se olha todo o processo de forma mais ampla e abrangente.

A melhoria do serviço também pode ser afetada por fatores externos ao transporte; como, por exemplo, erros no pedido, destinatário que impõe uma demora expressiva no recebimento de carga, entre outros. Novamente, sem uma abordagem mais ampla, que pode envolver outros departamentos do Embarcador, não será possível equacionar determinadas demandas.

Como já exploramos numa News anterior, “Um bom Slogan”, a diferenciação nem sempre se deve à capacidade de fazer uma oferta mais ampla e sim da percepção do Embarcador e aí pode ser um problema de marketing.

É importante fazer um registro. Mesmo não se apresentando como Operadores Logísticos conheço vários Transportadores, principalmente os que já atingiram um determinado porte, que atuam de forma mais ampla e procuram fazer uma oferta mais abrangente, mas a base da pirâmide ainda está restrita e ainda é vista como alguém que só deve ser chamado para movimentar mercadorias.

Esta percepção também está ligada à origem da maioria das empresas de Transporte, que gerou um estereótipo que os distancia dos Operadores Logísticos, mas isto é assunto para abordarmos em outra News a respeito da evolução que os Transportadores passaram nos últimos anos.

Ser procurado unicamente para prestar serviços de transporte não é necessariamente ruim, desde que isso seja uma escolha. Se for possível tornar o prato nosso de toda a quarta e sábado num produto mais atraente compensa, o difícil é não brigar pelo preço que qualquer restaurante a quilo da esquina prática.


Nuno Figueiredo

Diretor Comercial
Signa Consultoria e Sistemas

Esta newsletter faz parte de uma série que mostra algumas diferenças entre Transportadores e Operadores Logísticos.
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